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RODRIGO RÖTZSCH
Kirchner com rímel
UM PROGRAMA de humor da
televisão argentina ironizou a posse de Cristina Fernández de Kirchner com um bastão presidencial "sui generis"; seu
interior ocultava um kit de maquiagem.
Soa como simples piada machista contra a primeira mulher eleita
presidente da Argentina, mas trai a
essência do segundo governo
Kirchner: mudanças, se houver, serão cosméticas.
Os estereótipos traçados pela
imprensa argentina descrevem
Néstor Kirchner como um homem
preocupado com minúcias internas e sem paciência para questões
protocolares da diplomacia internacional. A isso atribuem o isolamento da Argentina durante seu
governo.
Cristina, por sua vez, seria mais
cosmopolita; interessada em conhecer o mundo e desfilar em cenários internacionais, embora antes de chegar à Casa Rosada só conhecesse do exterior as lojas de
Miami e Nova York. Somada à sua
promessa de promover a "reinserção internacional" da Argentina,
essa imagem criou a expectativa de
mudanças ao menos em política
exterior.
A análise ruiu já na primeira semana de governo. Uma investigação da Justiça americana foi recebida como ataque dos EUA à soberania nacional pela presidente e todo o governo argentino. Falou-se
em política suja, em operações de
inteligência e até o embaixador
Earl Wayne foi chamado a se explicar. Se não bastasse, o próprio
Kirchner fez seu discurso de estréia como ex-presidente subindo
o tom e pondo gasolina no fogo que
Wayne tentara apagar. Ao contrário do que disse o diplomata, rebateu o primeiro-cavalheiro, as relações com os EUA não vão nada
bem.
Já Hugo Chávez, aquele de quem
Cristina pretenderia se afastar, ao
contrário, só recebeu afagos. A tal
"equação energética"" que não fecha é a justificativa para a argentina defender a torto e a direito a incorporação da Venezuela ao Mercosul. Na cúpula desta semana, em
Montevidéu, prometeu concluir
esse processo em seu período na
presidência pro tempore do bloco
-que termina em junho-, como se
dela dependesse, e não do Congresso brasileiro.
Na mesma cúpula, enquanto
Cristina e Chávez comandavam a
artilharia verbal contra os EUA,
Lula dizia que os culpados pelas falências do Mercosul são os próprios governantes sul-americanos
e que não se deve transferir a responsabilidade pela inoperância do
bloco aos EUA. Falou, literalmente, outra língua que a da mais nova
sócia do bloco, numa demonstração de que a pregada "aliança estratégica" entre os dois países pode ficar só na conversa. Até porque algumas diferenças não podem ser
corrigidas na base do rímel.
RODRIGO RÖTZSCH é correspondente da Folha em
Buenos Aires.
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