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RUY CASTRO
Nelson como Crusoé
RIO DE JANEIRO - Em 1977,
mais ou menos nesta época, Nelson
Rodrigues foi convidado a fazer
uma tarde de autógrafos de seu novo livro, "O Reacionário", em Florianópolis, a convite de uma livraria. Nelson tinha todos os motivos
para não ir. Não gostava de sair do
Rio -dizia que, quando passava do
Maracanã, sentia uma "infinita
nostalgia do Brasil"- e vinha de
uma série de doenças e internações.
Numa dessas, correra tal risco de
vida que os jornais aprontaram seu
obituário (o do "Globo", ele leu depois e gostou muito).
Mas, para surpresa geral, talvez
por necessidade de afago, Nelson
aceitou o convite. Só que não viajava de avião. Donde teria de fazer em
seu carro, um Galaxie, com motorista, os 1.200 km do percurso. Pelas dúvidas, convidou sua irmã Stella, médica, a ir junto como enfermeira. A viagem, que podia ser feita
em 15 horas com folga, levou o dobro disso porque Nelson não deixava correr. E talvez tenham pernoitado pelo caminho. No dia seguinte,
chegaram a Florianópolis. Nelson
passou pelo hotel para um banho e
uma soneca, apresentou-se na livraria e se sentou à mesa, com uma
caneta cheia de tinta e os livros. Ficou duas horas ali, esperando pelos
leitores. Sabe quantos apareceram?
Nenhum. Ninguém. Zero. Ele nunca estivera tão por baixo.
No dia seguinte, pegaram a estrada em sentido contrário, e o que me
comove nessa história não é a cena
que a própria livreira me descreveu, com Nelson abandonado, sentindo-se tão só quanto "um Robinson Crusoé sem radinho de pilha".
O que me esmaga é imaginar a viagem de volta, com o sentimento de
rejeição pesando em cada metro
dos 1.200 km.
Isso foi há 30 anos. Três anos depois, morreu. Ontem fez 27 anos de
sua morte. Desde então, o país custou, mas aprendeu a amar Nelson
Rodrigues.
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