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TENDÊNCIAS/DEBATES
"Deus está morto. Deus continua morto"?
("A Gaia Ciência", Friedrich W. Nietzsche)
NÃO
O Natal não é um delírio
JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
PARECE QUE nada está mais na
moda do que falar mal de Deus.
O mundo assiste a um novo e estranho fenômeno: o ateísmo militante, evangelista. O que se vê não é apenas o discreto ceticismo inaugurado
por David Hume ou o racionalismo
que se levantou a partir do iluminismo na Europa. O ateísmo tornou-se
militante, irado, e quer que Deus desapareça. Não se trata mais de uma filosófica declaração de que Deus está
morto, mas de um imperativo de que
Ele deve ser enterrado.
Talvez nunca se tenham dedicado,
simultaneamente, tantas linhas para
atacar e destruir a fé em geral e o cristianismo em particular. Em edições
sucessivas, Richard Dawkins, Sam
Harris, Christopher Hitchens e Daniel Dennett pregam agressivamente
o evangelho ateísta, cuja luz consiste
em esclarecer ao mundo que Deus
não passa de uma invenção humana.
E nociva. Segundo o novo evangelho, a religião é incompatível com a
ciência, obscurantista em sua essência, imoral e causadora das guerras e
dos conflitos mais penosos vividos na
experiência humana. Deus é um delírio, afirma Dawkins, e a religião envenena tudo, sustenta Hitchens.
Intriga nisso tudo o silêncio, quase
monástico, nas hostes cristãs. Essas
acusações são irrespondíveis?
Tome-se a suposta incompatibilidade da fé em Deus com a ciência.
Newton, Kepler, Lavoisier, Mendel,
Galileu e tantos outros não eram cristãos? Todos conceberam a ciência a
partir da idéia de que o universo foi
criado por um ser racional e, por isso,
é regido por leis e princípios que podem ser apreendidos racionalmente.
Como o ateísmo explica a magnífica racionalidade do universo, que se
expressa em linguagem matemática?
A fé judaico-cristã, aliás, foi a primeira a excluir a natureza da esfera
do sagrado e possibilitar sua observação, manipulação e estudo. Além disso, as grandes universidades nasceram em igrejas: Paris, Bologna, Oxford, Harvard e Princeton eram seminários cristãos.
A religião envenenou Michelangelo, Dante, Bach, a arquitetura gótica e
tantas outras realizações inconcebíveis sem a fé cristã?
A sociedade ocidental jamais poderá ser compreendida sem os valores
herdados do cristianismo. A compaixão, por exemplo, brilhantemente
ilustrada na parábola do bom samaritano. Seu berço não poderia ser a Grécia. Os espartanos deixavam os bebês
que nasciam mais débeis para morrer
ao relento e Platão flerta abertamente
com a eugenia em "A República". É o
cristianismo que afirma a misericórdia como um valor inegociável, que
constitui o gérmen para o serviço social, a expansão dos hospitais etc.
Mas a escravidão não foi tolerada
por séculos pela cristandade? Na verdade, a escravidão foi um fenômeno
histórico universal: na China e em toda a Ásia, na África e, inclusive, entre
os índios da América pré-colombiana.
Não encontrou oposição na Grécia,
nem mesmo em seu momento mais
luminoso. Nunca foi questionada.
Quando se torna controversa pela
primeira vez? A reação vem inicialmente dos quackers, no século 18, e,
em seguida, a concepção de que todos
os homens foram criados iguais inspirou o pietista William Wilberforce a
lutar tenazmente contra o mal no
Parlamento inglês até vencê-lo completamente.
Na verdade, o assalto ateísta não se
justifica nem no destaque dado aos
crimes cometidos em nome da fé. A
história já mostrou que o fanatismo
mata em todo canto -e muito mais
nos sistemas que procuraram erradicar toda religião. A loucura não exige
credo de tipo algum.
Enfim, dezembro é um bom mês
para os cristãos saírem do armário.
Não há superioridade intelectual no
ateísmo ou, de outro modo, não há inferioridade intelectual na fé cristã. E
muito menos inferioridade moral.
Não há por que se esconder dos
pregadores da nova fé secular, agressiva e militante. O Natal, mesmo nesta era pós-moderna e pós-cristã, é
tempo de afirmar que nada melhor
aconteceu à sociedade ocidental do
que aquele estranho evento na Palestina, quando uma jovem judia deu à
luz Jesus de Nazaré.
Que toquem os sinos em Belém.
JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR, 45, é procurador regional da República da 4ª Região (no Rio Grande do Sul) e
cristão evangélico.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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