São Paulo, quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

TENDÊNCIAS/DEBATES

Sonífera ilha

CARLOS BEZERRA JR. e SÉRGIO LEITÃO


Nem as sacolinhas plásticas, objeto de projeto de lei em São Paulo, têm o poder de vedação que certas vontades privadas exercem na política


No último verão, 18 pessoas morreram vítimas das chuvas em São Paulo. Paulistanos que moravam próximos a córregos, assoreados pelo lixo. O entupimento das galerias pluviais provoca centenas de alagamentos pela cidade nessa época. Famílias são expostas a doenças; sofrimento e caos dominam a metrópole.
Há muitas explicações para o triste fato, como a ocupação vertiginosa do território e a negligência do poder público, que, apesar do esforço de agora, deu as costas para o problema por anos. Mas uma delas chama-se lixo, e, no meio desse entulho, as vilãs são elas, as sacolinhas plásticas.
Estudos apontam que 300 milhões de sacolinhas são consumidas por dia no Brasil. Cerca de 60% dos gastos em consertos da rede de esgoto devem-se a entupimentos causados por plástico.
No oceano, o plástico responde por 1/3 da poluição e pela morte de 1 milhão de animais marinhos por ano. Descartadas a esmo, as sacolas viram genuínas piscininhas de larvas do mosquito da dengue. Por motivos como esses, a cidade de Nova York há tempos deixou de distribuí-las nos mercados.
É preciso que São Paulo se integre aos esforços mundiais por uma lógica de produção e de consumo sustentáveis, aprovando o projeto de lei que disciplina o uso de sacolas plásticas.
Há mais de um ano, foi apresentada na Câmara Municipal proposta sobre o tema. Está em condições de ir a plenário pela segunda vez, ser encaminhada ao Poder Executivo e se tornar lei. Há dias tenta-se votá-la, mas manobras acabam por adiar o processo.
O projeto é educativo. Não prevê mudança radical, mas cria cronograma de redução do uso das sacolinhas, que varia de setor para setor -feiras livres, por exemplo, teriam quatro anos para abandonar o plástico. Quando há tempo para adaptação, o consumidor não vê problemas em se ajustar -a cidade de Jundiaí zerou o consumo de sacolinhas e o Procon de lá não recebeu uma reclamação sequer.
A proposta ainda estimula o uso de sacos duráveis e define que o comércio informe quanto já cobra pelas sacolas plásticas.
Mas outros interesses têm adiado a votação do projeto. Nem as sacolinhas plásticas têm o poder de vedação que certas vontades particulares exercem na política. Tão desconectadas estão da sociedade que é como se vivessem numa ilha a quilômetros de distância do interesse público. Numa sonífera ilha, como diriam os Titãs.
A medida tem o apoio do Greenpeace e recebeu manifestação favorável do secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente, Eduardo Jorge. Até a Associação Paulista de Supermercados (Apas) declarou ser a ideia viável.
Nos próximos dias, o projeto voltará à pauta. O vereador que o formulou, um dos autores dessas mal traçadas linhas, abriu a autoria a todos os demais colegas que se importam com o problema. Mais de 20 vereadores já assinaram a proposta. Haverá justificativa para adiar de novo a votação?

CARLOS BEZERRA JR., 42, médico, é vereador, líder do PSDB e deputado estadual eleito por São Paulo.
SÉRGIO LEITÃO, 46, é advogado e diretor de campanhas do Greenpeace Brasil.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Flávio Luiz Yarshell: Ano novo, Código de Processo Civil novo?

Próximo Texto: Painel do Leitor
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.