|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARIO CESAR CARVALHO
A agonia
do Metrô
O METRÔ já foi uma ilha de
excelência cercada por uma
cidade fétida. Por mais que a
ruína urbana avance, havia sempre
o metrô para servir de abrigo às
pretensões primeiro-mundistas da
cidade de São Paulo. Ali, tudo é diferente do caos rotineiro: não há
sujeira no chão, não há pichação
nas paredes e, como num filme dos
anos 50, todos são mais cordiais.
Essa imagem foi ferida de morte
pelo túnel que desabou há 11 dias.
Desastres são eventos imprevisíveis, mas todos os dados sugerem a
existência de uma abundância de
sinais de que havia uma tragédia
em curso na obra da linha 4. A pergunta que não quer calar é a mais
óbvia de todas: por que o Metrô
não fez nada diante da cascata de
erros que prenunciava o desastre,
como sugere o presidente do IPT?
Tenho dois palpites sobre a suposta negligência da empresa. Sob
o governo de Geraldo Alckmin
(PSDB), a administração pública
do Estado foi tomada por uma fé
cega nas soluções de mercado.
Só uma crença simplória como
essa pode explicar como uma obra
de R$ 1,8 bilhão era fiscalizada pelas próprias empreiteiras. É o que
os engenheiros chamam de "autogestão da qualidade". Em português, esse processo tem outro nome: chama-se promiscuidade.
Seria um reducionismo brutal
acreditar que só o PSDB endossa
propostas desse gênero -o descrédito no Estado é hoje uma fé generalizada. O problema de tucanos
como Alckmin é que parecem ser
mais crentes que os próprios criadores do credo.
Meu segundo palpite para a suposta negligência do Metrô é que a
própria empresa passou por um
desmonte técnico. O raciocínio por
trás do desmonte parece lógico: se
o mercado se compromete a entregar a obra pronta, por que gastar
com engenheiros caros?
O mais perturbador, na minha
opinião, é o silêncio do Metrô diante das interrogações que surgiram
após o acidente. O sindicato dos
metroviários diz que havia só quatro engenheiros para fiscalizar a
obra, e o Metrô silencia. Engenheiros apontam que não eram quatro,
mas 20, e o Metrô segue em silêncio. Especialistas dizem que o Metrô optou pela técnica menos segura, e a companhia continua impávida em seu mutismo, como se não tivesse nada a ver com a tragédia.
O governador José Serra (PSDB)
optou por uma posição confortável
ao atribuir a culpa do acidente às
empreiteiras. É o equivalente à ordem "prendam os suspeitos de
sempre" dos filmes policiais.
Se é para entender minimamente as causas do desmoronamento
da estação Pinheiros, o governo deveria dar uma espiada no modo como as empresas públicas ou de economia mista gerenciam os seus negócios.
MARIO CESAR CARVALHO é repórter especial da
Folha. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o
artigo de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às
terças-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Plínio Fraga: O ladrão atende ao chamado Próximo Texto: Frases
Índice
|