São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 2007

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MARIO CESAR CARVALHO

A agonia do Metrô

O METRÔ já foi uma ilha de excelência cercada por uma cidade fétida. Por mais que a ruína urbana avance, havia sempre o metrô para servir de abrigo às pretensões primeiro-mundistas da cidade de São Paulo. Ali, tudo é diferente do caos rotineiro: não há sujeira no chão, não há pichação nas paredes e, como num filme dos anos 50, todos são mais cordiais.
Essa imagem foi ferida de morte pelo túnel que desabou há 11 dias. Desastres são eventos imprevisíveis, mas todos os dados sugerem a existência de uma abundância de sinais de que havia uma tragédia em curso na obra da linha 4. A pergunta que não quer calar é a mais óbvia de todas: por que o Metrô não fez nada diante da cascata de erros que prenunciava o desastre, como sugere o presidente do IPT?
Tenho dois palpites sobre a suposta negligência da empresa. Sob o governo de Geraldo Alckmin (PSDB), a administração pública do Estado foi tomada por uma fé cega nas soluções de mercado.
Só uma crença simplória como essa pode explicar como uma obra de R$ 1,8 bilhão era fiscalizada pelas próprias empreiteiras. É o que os engenheiros chamam de "autogestão da qualidade". Em português, esse processo tem outro nome: chama-se promiscuidade.
Seria um reducionismo brutal acreditar que só o PSDB endossa propostas desse gênero -o descrédito no Estado é hoje uma fé generalizada. O problema de tucanos como Alckmin é que parecem ser mais crentes que os próprios criadores do credo.
Meu segundo palpite para a suposta negligência do Metrô é que a própria empresa passou por um desmonte técnico. O raciocínio por trás do desmonte parece lógico: se o mercado se compromete a entregar a obra pronta, por que gastar com engenheiros caros?
O mais perturbador, na minha opinião, é o silêncio do Metrô diante das interrogações que surgiram após o acidente. O sindicato dos metroviários diz que havia só quatro engenheiros para fiscalizar a obra, e o Metrô silencia. Engenheiros apontam que não eram quatro, mas 20, e o Metrô segue em silêncio. Especialistas dizem que o Metrô optou pela técnica menos segura, e a companhia continua impávida em seu mutismo, como se não tivesse nada a ver com a tragédia.
O governador José Serra (PSDB) optou por uma posição confortável ao atribuir a culpa do acidente às empreiteiras. É o equivalente à ordem "prendam os suspeitos de sempre" dos filmes policiais. Se é para entender minimamente as causas do desmoronamento da estação Pinheiros, o governo deveria dar uma espiada no modo como as empresas públicas ou de economia mista gerenciam os seus negócios.


MARIO CESAR CARVALHO é repórter especial da Folha. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às terças-feiras nesta coluna.


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