São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 2007

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PLÍNIO FRAGA

O ladrão atende ao chamado

RIO DE JANEIRO - O jornal "Última Hora" estampou em setembro de 1974: "O samba dúplex e pragmático de Julinho da Adelaide". Está certo, ninguém nunca entende completamente os títulos dos cadernos culturais. A reportagem em questão era uma entrevista com o supostamente novo compositor, que dizia: "Esse Chico Buarque quer aparecer à minha custa".
Julinho da Adelaide era só um heterônimo do próprio Chico Buarque para driblar a censura, mas está atribuída a ele a autoria do samba "Acorda, amor", em que o sujeito, para escapar da dura (polícia), numa muito escura viatura, pede para a mulher: "Chame o ladrão!".
Na semana passada, o presidente Lula despendeu seu tempo comentando a gravata rosa com que o líder comunitário da Rocinha, William de Oliveira, apareceu em solenidade que liberava recursos para obras no morro. William foi condenado pela Justiça após a divulgação de escutas em que pede dinheiro a traficantes da Rocinha e aceita manter armamento deles no prédio da associação de moradores. Lula o chamou de "presidente da Rocinha", inconscientemente aceitando a idéia da existência de um estado paralelo sob suas barbas.
Pela narrativa de Ciro Gomes, deputado eleito pelo PSB e aliado do presidente, William de Oliveira é a companhia menos problemática de Lula. "O governo de coalizão que nós estamos montando é muito heterogêneo, por qualquer ângulo, ideológico, até ético. Se não se construir uma hegemonia moral e intelectual bastante clara, o risco que há é de que essa coalizão não se cimente, ou se cimente por linguagens intoleráveis", declarou Ciro, após encontro com o petista.
O discurso do ex-ministro parece escrito por redator de caderno cultural, mas ele quis dizer o seguinte: o governo chamou o ladrão para compor a base aliada.


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