São Paulo, sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

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O controle do SUS pela sociedade

PAULO CAPEL NARVAI

Muitos brasileiros não podem imaginar o inferno sanitário que seria este nosso país sem o SUS, o Sistema Único de Saúde

MUITOS BRASILEIROS não podem imaginar o inferno sanitário que seria este país sem o SUS (Sistema Único de Saúde).
Não me refiro ao inferno que são, de fato, muitos hospitais e ambulatórios, abandonados à própria sorte por gestores irresponsáveis. Por certo que tais "infernos" precisam ser extintos. Refiro-me à prevenção e ao controle de doenças. Ao trabalho bem-sucedido realizado pelo SUS, o qual evita doenças e epidemias e que, por isso, não é percebido nem reconhecido pela sociedade. Invisível, não vira notícia. Mas funciona, é eficaz, evita dor, sofrimento e morte.
Não obstante, freqüentemente a eficácia do SUS é questionada, como fizeram Amato Neto e Pasternak ("SUScesso?", Folha, 8/1, pág. A3).
Com efeito, como não faltam problemas no SUS, apontá-los é um dever. Mas o SUS é uma importante conquista dos brasileiros. Reconhecer isso não significa desconhecer os enormes problemas que o setor de saúde enfrenta, seja em decorrência das péssimas condições de vida da maioria, seja em decorrência das dificuldades orçamentárias e gerenciais que marcam a administração pública.
Uma das mais importantes inovações do SUS é operar como um sistema com a participação das três esferas de governo e sob comando único em cada nível. Municípios podem se consorciar para otimizar recursos e melhor resolver seus problemas. Há resistências à descentralização, mas ela tem avançado.
Embora o sistema seja único, é flexível o bastante para realizar ações adequadas a realidades tão distintas como as diferentes regiões brasileiras. Para financiá-lo, há fundos governamentais específicos, e a cidadania controla o SUS por meio de conselhos e conferências de saúde.
Entre as muitas e importantes inovações que vieram com o SUS na gestão da "res publica" na saúde, a crucial é a descentralização. Cada vez mais os municípios buscam tomar decisões no setor de acordo com suas realidades. Para um país como o nosso, de tradição centralizadora, descentralizar é verdadeira revolução.
Faço essas considerações para assinalar a formidável contribuição do SUS à implementação de políticas públicas. Sua formatação é modelar, como se constata, por exemplo, com as proposições de sistemas "únicos" para a segurança pública e a assistência social. É inegável a adequação jurídico-administrativa do "arranjo" SUS às necessidades de gestão de um sistema social complexo, numa República Federativa, num país continental. Por isso, parecem-me equivocadas certas críticas genéricas que se fazem ao SUS. No mencionado artigo, os óbices ao funcionamento dos conselhos de saúde não encontram amparo em fatos.
Embora em muitos municípios haja dificuldades para os conselhos de saúde funcionarem de acordo com a lei, os problemas não decorrem de terem sido "ocupados por ONGs", ou porque "profissionais de saúde não se fazem representar", ou porque os conselhos "deliberam sobre o que não conhecem tecnicamente". Na verdade, muitos conselhos são vítimas de nepotismo, clientelismo, corrupção e práticas antidemocráticas.
Em São Paulo, por exemplo, onde sobram problemas ao SUS, o conselho municipal de saúde:
a) delibera sobre todos os programas de saúde em desenvolvimento no âmbito municipal;
b) tem representadas as centrais sindicais, os movimentos sociais de saúde e as entidades que defendem os interesses dos portadores de doenças crônicas;
c) tem todos os tipos de profissionais de saúde representados por conselheiros eleitos democraticamente;
d) delibera a partir do conhecimento dos membros, com apoio de comissões e grupos de trabalho "ad hoc";
e) tem os poderes que lhe conferem a lei federal nš 8.142/90 e a lei municipal nš 12.546/98 e, durante suas reuniões plenárias, freqüentemente ocorrem conflitos opondo representantes de usuários e gestores;
f) tem representantes de ONGs que por certo defendem seus interesses específicos, mas não impõem, autoritariamente, suas posições.
Os graves problemas que marcam a assistência pública de saúde na cidade não decorrem de nenhuma dificuldade dos conselheiros para "ver o todo" ou por fazerem "lobby para si". As deliberações do Conselho Municipal de Saúde de São Paulo e das conferências municipais de saúde indicam outra direção: respeito ao interesse público e eficiência da máquina estatal para melhorar a saúde pública.


PAULO CAPEL NARVAI, doutor em saúde pública, é professor associado da Faculdade de Saúde Pública e coordenador do programa de pós-graduação em saúde pública da USP e representante da universidade pública no Conselho Municipal de Saúde de São Paulo.

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