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O controle do SUS pela sociedade
PAULO CAPEL NARVAI
Muitos brasileiros não podem imaginar o inferno sanitário que seria este nosso país sem o SUS, o Sistema Único de Saúde
MUITOS BRASILEIROS não
podem imaginar o inferno
sanitário que seria este país
sem o SUS (Sistema Único de Saúde).
Não me refiro ao inferno que são,
de fato, muitos hospitais e ambulatórios, abandonados à própria sorte por
gestores irresponsáveis. Por certo
que tais "infernos" precisam ser extintos. Refiro-me à prevenção e ao
controle de doenças. Ao trabalho
bem-sucedido realizado pelo SUS, o
qual evita doenças e epidemias e que,
por isso, não é percebido nem reconhecido pela sociedade. Invisível, não
vira notícia. Mas funciona, é eficaz,
evita dor, sofrimento e morte.
Não obstante, freqüentemente a
eficácia do SUS é questionada, como
fizeram Amato Neto e Pasternak
("SUScesso?", Folha, 8/1, pág. A3).
Com efeito, como não faltam problemas no SUS, apontá-los é um dever.
Mas o SUS é uma importante conquista dos brasileiros. Reconhecer isso não significa desconhecer os enormes problemas que o setor de saúde
enfrenta, seja em decorrência das
péssimas condições de vida da maioria, seja em decorrência das dificuldades orçamentárias e gerenciais que
marcam a administração pública.
Uma das mais importantes inovações do SUS é operar como um sistema com a participação das três esferas de governo e sob comando único
em cada nível. Municípios podem se
consorciar para otimizar recursos e
melhor resolver seus problemas. Há
resistências à descentralização, mas
ela tem avançado.
Embora o sistema seja único, é flexível o bastante para realizar ações
adequadas a realidades tão distintas
como as diferentes regiões brasileiras. Para financiá-lo, há fundos governamentais específicos, e a cidadania controla o SUS por meio de conselhos e conferências de saúde.
Entre as muitas e importantes inovações que vieram com o SUS na gestão da "res publica" na saúde, a crucial é a descentralização. Cada vez
mais os municípios buscam tomar
decisões no setor de acordo com suas
realidades. Para um país como o nosso, de tradição centralizadora, descentralizar é verdadeira revolução.
Faço essas considerações para assinalar a formidável contribuição do
SUS à implementação de políticas
públicas. Sua formatação é modelar,
como se constata, por exemplo, com
as proposições de sistemas "únicos"
para a segurança pública e a assistência social. É inegável a adequação jurídico-administrativa do "arranjo"
SUS às necessidades de gestão de um
sistema social complexo, numa República Federativa, num país continental. Por isso, parecem-me equivocadas certas críticas genéricas que se
fazem ao SUS. No mencionado artigo,
os óbices ao funcionamento dos conselhos de saúde não encontram amparo em fatos.
Embora em muitos municípios haja dificuldades para os conselhos de
saúde funcionarem de acordo com a
lei, os problemas não decorrem de terem sido "ocupados por ONGs", ou
porque "profissionais de saúde não se
fazem representar", ou porque os
conselhos "deliberam sobre o que
não conhecem tecnicamente". Na
verdade, muitos conselhos são vítimas de nepotismo, clientelismo, corrupção e práticas antidemocráticas.
Em São Paulo, por exemplo, onde
sobram problemas ao SUS, o conselho municipal de saúde:
a) delibera sobre todos os programas de saúde em desenvolvimento
no âmbito municipal;
b) tem representadas as centrais
sindicais, os movimentos sociais de
saúde e as entidades que defendem os
interesses dos portadores de doenças
crônicas;
c) tem todos os tipos de profissionais de saúde representados por conselheiros eleitos democraticamente;
d) delibera a partir do conhecimento dos membros, com apoio de comissões e grupos de trabalho "ad hoc";
e) tem os poderes que lhe conferem
a lei federal nš 8.142/90 e a lei municipal nš 12.546/98 e, durante suas
reuniões plenárias, freqüentemente
ocorrem conflitos opondo representantes de usuários e gestores;
f) tem representantes de ONGs que
por certo defendem seus interesses
específicos, mas não impõem, autoritariamente, suas posições.
Os graves problemas que marcam a
assistência pública de saúde na cidade não decorrem de nenhuma dificuldade dos conselheiros para "ver o todo" ou por fazerem "lobby para si". As
deliberações do Conselho Municipal
de Saúde de São Paulo e das conferências municipais de saúde indicam
outra direção: respeito ao interesse
público e eficiência da máquina estatal para melhorar a saúde pública.
PAULO CAPEL NARVAI, doutor em saúde pública, é professor associado da Faculdade de Saúde Pública e coordenador do programa de pós-graduação em saúde pública da
USP e representante da universidade pública no Conselho
Municipal de Saúde de São Paulo.
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