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RUY CASTRO
Nascida em 10 de julho
RIO DE JANEIRO - A obsessão
continua. Não se passa um dia, incluindo domingos e feriados, em
que alguém não me escreva, telefone ou, expectante, aborde na rua
querendo saber quando, como e
com quem começou a bossa nova. É
a grande interrogação nacional. Nada parece importar tanto.
É o único gênero musical de que
se exigem dia e hora marcados para
ter nascido. Não adianta explicar
que essas coisas não costumam ter
começo e que, assim como o Sol, a
burrice humana ou o efeito estufa, a
bossa nova é o resultado de um processo que envolveu muito tempo,
muita gente e muita agitação -no
caso, musical- antes dela.
O problema é que tal resposta estraga a efeméride que todo mundo
quer comemorar: os 50 anos da
bossa nova. Porque, se ela é um processo, este poderia ser o seu 65º aniversário, ou o 78º, o que seriam datas sem graça. Donde vamos ficar
mesmo com 1958. Mas quando, como e com quem em 1958?
"Canção do Amor Demais", o lindo LP de Elizeth Cardoso gravado
em fevereiro daquele ano, ainda
não era, de fato, um disco "de bossa
nova". Ali já estavam as canções de
Tom e Vinicius, a batida especial do
violão de João Gilberto em duas faixas, uma delas "Chega de Saudade",
e um clima geral de "modernidade".
Mas Elizeth, na sua grandeza, era
uma cantora tradicional, chegada
ao vibrato e que usava a voz inteira.
Cinco meses depois, a 10 de julho,
o próprio João Gilberto gravou um
single (em 78 e em 33 rpm) com
"Chega de Saudade" e, no lado B,
seu samba-baião "Bim Bom". Desta
vez, um único disco reunia as canções, a batida do violão e o jeito diferente de enunciar do cantor. Tudo
"bossa nova". O que viria depois, como a gravação de "Desafinado" em
outubro e a das demais faixas de seu
famoso primeiro LP, em 1959, seria
apenas conseqüência do que ele
acabara de dizer.
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