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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Sucata nacional
SE TIVESSE que eleger um traço para distinguir os anos Lula, diria que eles têm sido marcados pelo rebaixamento da vida
nacional. A começar pelo sucateamento da esperança, tudo de alguma forma se nivelou por baixo. É
curiosa, aliás, a realização histórica
do slogan da campanha petista: o
desassombro com que se foi ao pote pelo menos até a descoberta do
mensalão -e tenho dúvidas de que
algo substantivo tenha mudado-
basta para constatar que temor,
neste governo, só do mercado.
"A esperança venceu o medo"
funciona mais ou menos como o
"caçador de marajás", slogan de
Collor que já prenunciava, para
quem soubesse ler nas entrelinhas,
o desmantelamento do Estado que
seu governo iria levar a cabo.
Os ventos, porém, sopram a favor de Lula. Tudo melhorou -é o
que mais se ouve por aí. Muito
bem. Pergunto se a ladainha oficial
não seria, antes, a expressão do cinismo dos vitoriosos e recém-convertidos diante das evidências de
que não vamos mais nos tornar
uma sociedade decente, como um
dia essa turma já pretendeu.
Soa muito abstrato? Um tanto
ingênuo? Tome-se, então, um só
aspecto da vida nacional -as relações entre o poder e a imprensa.
Aqui não se trata mais de nivelamento por baixo, mas de regressão.
Foi perguntado ao presidente
nesta semana o que pensava das
ações movidas por fiéis da Igreja
Universal contra a Folha e a repórter Elvira Lobato. A resposta foi
suficientemente vaga para desviar
do ponto em questão (o recurso
abusivo ao Judiciário, configurando um caso do que se entende por
"litigância de má-fé") e, ao mesmo
tempo, clara o bastante para que
não pairassem dúvidas: sob o blablablá em defesa da liberdade de
expressão, Lula tratava de prestar
sua solidariedade à máquina de intimidar jornalistas patrocinada pelos líderes da Universal. Fez isso
por cálculo, obviamente, já que
princípios não são o seu forte.
Quem sabe seja um avanço para
alguém que já chegou a tomar providências a fim de banir do país um
repórter do "New York Times" que
havia escrito sobre seus hábitos
etílicos. Uma porcaria de reportagem de Larry Rohter, vale lembrar,
como se fosse esse o problema.
Apesar das tentações autoritárias deste governo e das intenções
escusas dos neobucaneiros da fé,
parece obviamente exagerado dizer que a liberdade de expressão
corre risco no país. Não acredito
nisso. Desconfio, da mesma forma,
quando uma corporação ou um
grupo social, mesmo se coberto de
razão ou de boas intenções, pretende falar em nome do bem coletivo ou do interesse geral. Antigamente isso tinha nome: ideologia.
O que hoje se vê não sob ameaça,
mas em avançado estágio de degradação, é a capacidade de expressão
da mídia. Muito em função da rede
de áulicos sustentada pelo petismo, mas também pela delinqüência de vozes da oposição.
FERNANDO DE BARROS E SILVA é editor de Brasil .
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