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TENDÊNCIAS/DEBATES
A OAB-SP pode elaborar lista com nomes de supostos violadores de direitos dos advogados?
NÃO
Contra o índex da OAB
RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO
EM NOVEMBRO de 2006, a seccional de São Paulo da Ordem
dos Advogados do Brasil publicou, em sua página eletrônica, "uma
lista com os nomes de 173 pessoas
consideradas inimigas da categoria,
como juízes, policiais, promotores e
jornalistas" -entre as quais, inclusive, um articulista deste jornal, Elio
Gaspari. A listagem foi preparada pela
Comissão de Direitos e Prerrogativas
da entidade, cujo presidente à época
declarou que a medida foi tomada para que "a pessoa nomeada [fique] exposta", podendo "resultar, no futuro,
na negativa ao pedido de carteira da
OAB para atuar como advogado". Segundo ele, o cadastro também inclui
jornalistas para evitar que "pessoas
extrapolem o limite da crítica".
Na quarta-feira da semana passada,
três dos promotores que integravam
essa "lista de inimigos", dois de São
Paulo e um de Minas Gerais, foram
desagravados em sessão pública ocorrida no Ministério Público paulista.
Entendeu o MP que a inclusão deles
na lista não se deu em decorrência de
um processo legal, presidido por autoridade competente, em que tenham
predominado o contraditório e a ampla defesa. O MP considerou ainda
que os três agiram no estrito cumprimento de dever legal, ao acompanharem diligência da polícia que, de posse de mandado judicial expedido por
um juiz de Minas, prendeu duas pessoas que se encontravam em um escritório de advocacia em Piracicaba.
Na sessão de desagravo, afirmei que
"essa lista de "inimigos dos advogados" e procedimentos semelhantes visam a inibir a atuação dos promotores", sendo, ademais, "iniciativas fascistas, que têm o nosso repúdio". Foi
o quanto bastou para que vários dirigentes da OAB viessem a público manifestar-se indignados.
Afirmo que a "lista de inimigos" é
absolutamente ilegal e inconstitucional. Acredito que a OAB pode muito
bem desagravar o advogado que imagine ter sido ofendido no exercício da
profissão, mas não cabe à entidade o
julgamento administrativo de quem
não seja nela inscrito: as leis e a Constituição não lhe dão esse direito. Mais
que isso, não lhe é permitido, sob o
pretexto de tornar público o desagravo, inculpar qualquer pessoa estranha a seus quadros, rotulando-a de
"inimiga da advocacia". Sob essa perspectiva, reafirmo que a "lista de inimigos" é, de fato, produto de ação discriminatória e autoritária e lembra,
tanto em forma quanto em conteúdo,
políticas análogas que vicejaram sob
o macarthismo nos Estados Unidos
do pós-guerra e nos pogrons -de que
os triângulos rosa impostos aos homossexuais e as estrelas de Davi pespegadas aos judeus são exemplos pictóricos de tristíssima memória.
Tenho a maior admiração pela
OAB, órgão a quem o país deve incontáveis manifestações em prol das liberdades públicas ao longo das últimas décadas. Muitos bacharéis foram
protagonistas de episódios marcantes
da história brasileira, como os juristas
Raymundo Faoro e Sobral Pinto, e a
entidade deve ser tida como uma das
grandes responsáveis pela consolidação do regime democrático no país.
Igualmente, expresso de público meu
respeito pelo honrado presidente da
seccional estadual, Luiz Flávio Borges D'Urso, profissional de talento.
Entretanto, não pode a entidade arvorar-se em um verdadeiro tribunal
de exceção e achar-se no direito de
aplicar sanções a quem não a integre.
Para isso, ainda há juízes no Brasil,
autoridades a quem a Constituição,
expressão da vontade popular, outorga o dever de julgar -como, aliás, fizeram-no duas decisões judiciais, que
reconheceram a flagrante e patente
inconstitucionalidade da lista e determinaram a exclusão dela de nomes
de juízes e promotores paulistas.
As entidades públicas devem ter
sempre a humildade e a coragem para
o exercício da autocrítica e a correção
de rumos equivocados. Espero, assim,
que o "index prohibitorum" da OAB
tenha o mesmo destino de outros de
seus antecedentes históricos, por sua
inexorável incompatibilidade com o
regime democrático em vigor no país.
RODRIGO CÉSAR REBELLO PINHO, 51, é o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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