São Paulo, sexta-feira, 23 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ SARNEY

Ainda crescer

AINDA UMA vez, vamos bater na tecla do crescimento. O PAC esquenta o tema e a cabeça dos economistas. Tenho uma convicção particular, não é uma teoria nem um dogma.
O Brasil entrou num "calejón sin salida", como dizem os espanhóis.
A Constituição de 88 é a grande responsável pela estagnação, pela falta de recursos para investimento. Ela foi feita por pescoços trocados, isto é, pessoas que inverteram os rostos, voltados para as costas.
Olhavam o passado, viam o presente empurrados por um corporativismo desenfreado e ninguém pensou no futuro. Nenhuma formulação prospectiva de um Brasil crescendo, enriquecendo, empregos, PIB elevado. A Constituinte era a bacia das almas, esta que nas igrejas desertas espera a dádiva dos piedosos. Pior é que esse sentimento não se esgotou naquele instante, mas criou uma cultura que permanece até hoje. Todos ainda demandam benefícios sobre benefícios, benesses sobre benesses, juros sobre juros.
As Constituintes foram sempre marcos históricos. Elas foram reveladoras de estadistas e construtores de nações. Da de Filadélfia permanecem vivos até hoje Madison, Franklin, Hamilton, Washington e outras figuras solares. No Brasil, a de 1823 revelou os Andradas, Antonio Carlos e José Bonifácio, Cairú (José da Silva Lisboa), Jequitinhonha (Francisco Ge Acaiaba de Montezuma), Olinda (Pedro de Araújo Lima) e nomes que construíram as instituições brasileiras. Em 1890, Rui Barbosa, Prudente de Morais, Campos Sales. A de 1988 não revelou ninguém. Não há um destaque a fazer-se, a não ser a redação dos direitos individuais de Afonso Arinos. Um nome sequer apareceu. Todos dedicaram-se ao clientelismo do Estado. Ulysses disse-me que por ela passaram 10 milhões de pessoas.
Respondi-lhe que isso me preocupava, porque a única Constituição que sobrevivera duzentos anos fora a americana, feita por 55 pessoas.
A partir dela, não tivemos mais recursos para investir. No meu tempo, a carga tributária era de 23%, e crescemos no PIB per capita 99% (fonte: FGVDados, em dólar, câmbio médio). Depois de 88, a coisa degringolou. No México, se estabilizou em 19%. Na Argentina, em 26%. Os tributos asfixiam, nada para investir.
O ex-ministro Antonio Pallocci, em excelente e despretensioso livro, leve e denso ("Sobre Formigas e Cigarras"), revelador de muitos episódios de nossa história econômica, põe e demonstra o peso desta carga e como ela é responsável pela quase estagnação. Só de emendas à Constituição de 88 o Congresso recebeu mais de 1.600. O esforço de Lula é grande, mas a Constituição de 1988 puxa para baixo.


jose-sarney@uol.com.br

JOSÉ SARNEY
escreve às sextas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Nelson Motta: Pagando para não ver
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.