São Paulo, terça-feira, 23 de março de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Lições de verão

SÃO PAULO - No último sábado, acabou o verão -e que verão. Choveu, de fato, uma estupidez sobre São Paulo nos últimos meses. Há medições atestando que foi o janeiro mais chuvoso da história. Outras dizem que o volume de água ficou um tantinho abaixo do registrado no longínquo janeiro de 1947.
Se os especialistas ainda divergem, uma coisa parece certa: o verão de 2009-2010 colocou a cidade frente a frente com sua inviabilidade. Vivemos, com intensidade talvez inédita, a experiência do colapso urbano. Foram dias de muitos transtornos, sucessivos traumas, vários deles previstos e até aguardados, fazendo jus ao velho clichê da crônica da tragédia anunciada.
Se são Pedro caprichou, o poder público se revelou especialmente relapso. Ainda no dia 10 de fevereiro, depois de ver a cidade castigada durante quase dois meses, o prefeito Gilberto Kassab encontrava um jeito para chamar de "ridícula" e "vergonhosa" a sujeira de um piscinão que vistoriava de helicóptero.
Na mesma época desse acesso tardio de indignação oficial, centenas de moradores do Jardim Pantanal, na zona leste, vivendo havia mais de 60 dias sob as águas, protestavam em frente à prefeitura. Como estarão hoje esses coitados?
Já no início de janeiro, a Folha mostrava que, dos 180 endereços que haviam alagado na capital desde dezembro, quase 40% eram novos ou não constavam das áreas atingidas nos últimos dois anos.
O Tietê voltou a inundar e até um peixe foi encontrado no túnel Tribunal de Justiça submerso, coroando com humor negro o desgoverno da nossa Veneza improvisada.
Manutenção adequada, investimentos estratégicos, planejamento urbano -as providências de curto, médio e longo prazos são conhecidas pelas autoridades. Nos próximos meses, porém, o tamanho e a gravidade do problema tendem a ser progressivamente esquecidos. Até que dezembro venha de novo mostrar que não é mais possível tratar as enchentes como um trauma de verão, que vem e passa.


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