São Paulo, terça-feira, 23 de março de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Ser ou ser

JORGE DA CUNHA LIMA


Tenho a convicção de que desde essa época, ainda estudante, José Serra já era candidato à Presidência da República

O MAIOR companheiro da dúvida é a certeza. Hamlet, que produziu a grande indagação de toda a literatura ocidental, tinha o destino inteiramente definido. José Serra também. É candidato à Presidência da República. Sem o destino trágico do príncipe.
Desde que iniciou sua carreira política, na União Estadual dos Estudantes de São Paulo, os olhos do jovem estudante de engenharia, proveniente da Mooca, bairro de imigrantes iltalianos da capital paulista, brilhavam quando se falava de política.
Com o tempo, ampliado o espectro da política estudantil nacional, Serra viajava constantemente para o Rio de Janeiro, no Trem Azul, porque tinha medo de avião. Inconformado com a presença de estranhos na cabine, sempre reservava para si o leito de cima e o de baixo.
Viajei algumas vezes com ele para o Rio de Janeiro, pois eu fazia o contato do governo Carvalho Pinto com o meio estudantil, como jovem subchefe da Casa Civil.
Tenho a convicção de que desde essa época Serra já era candidato à Presidência da República. Tornou-se presidente da União Nacional dos Estudantes e sua carreira, como a de tantos outros jovens talentosos, como a do próprio José Dirceu, foi atropelada pela revolução.
Serra militava na AP (Ação Popular), desdobramento político da JUC (Juventude Universitária Católica).
Mas professava a utopia no lugar do misticismo. Teve que mudar de rumo.
Saiu da Poli-USP, foi para o exílio. Virou estudioso de economia. Saiu do Terceiro Mundo para conviver com a elite da economia do subdesenvolvimento, no Chile, e do desenvolvimento capitalista, em Cornell, nos Estados Unidos.
Nunca foi um súdito ortodoxo dos pensamentos da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) nem das teorias da dependência de Fernando Henrique Cardoso. Exercia voos livres, como os da economista Maria da Conceição Tavares, e isso transparece tanto no seu doutorado quanto nos seus artigos.
Serra saiu do jejum militante na primeira eleição direta para governador, quando Franco Montoro se candidatou pelo MDB, em 1982, e tornou-se governador em 1983.
Serra tinha vocação de administrador, como bem o demonstrou no cargo que Montoro lhe conferiu, secretário de Planejamento, a quem competia produzir e conduzir o orçamento do Estado. Montoro governava as necessidades, Serra, os meios.
Nunca disfarçou o apetite pelo poder, condição por ele considerada eficácia. Planejava em cada ato seu destino político.
Ao fim do governo Montoro, elegeu-se deputado, demonstrando tenacidade eleitoral. Eu próprio desisti de minha candidatura, a pedido de Montoro, em favor de Serra, após ter sido secretário da Cultura, mesmo porque eu não tinha a menor vontade de ser político profissional. Serra era político nato. Só pensava nisso, com a credencial de ter sido um respeitável condutor das finanças.
Serra ajudou o planejamento do governo Tancredo. Depois da morte de Tancredo, disputou inúmeros postos legislativos e executivos. Foi candidato a prefeito, a presidente, a senador e a governador de São Paulo, como todos sabem. Tornou-se conhecido em todo o Brasil com essas candidaturas, perdedoras e vencedoras, seguindo o conselho de Montoro: "Político deve se candidatar sempre".
Candidato à sucessão de Lula, todos lhe cobram o lançamento oficial de sua candidatura. Serra resiste. Alguns atribuem a atitude a uma indecisão que lhe permitiria desistir. Outros à estratégia de não ser bombardeado antes da hora.
Quase todos esquecem de uma razão moral para isso. Serra não acha ético oficializar uma candidatura antes da desincompatibilização.
Contudo, tranquilizou seus amigos, dizendo que será candidato na hora correta. Sua campanha já está sendo organizada pelo companheiro José Henrique Lobo no ritmo que a legalidade recomenda.
Nenhuma pesquisa, oito meses antes das eleições e ainda muitos dias antes da oficialização de sua candidatura, deverá antecipar seu anúncio.
Nem mesmo a desejada candidatura de Aécio à vice-Presidência deverá mudar essa atitude.
Isso não quer dizer que o maior companheiro da certeza não seja a dúvida.


JORGE DA CUNHA LIMA , 78, jornalista, escritor e poeta, é presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta e vice-presidente do Itaú Cultural.

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