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Era só o que faltava
Dada a sucessão de abusos e irregularidades, é necessária total transparência nos gastos dos parlamentares
LÁGRIMAS e deboche, vexame e arrogância, confissões em plenário e corre-corre nos gabinetes: o
Congresso tem sido palco, nestes
dias, de um espetáculo de desmoralização capaz de fazer sombra -na abrangência dos seus
personagens e na nitidez dos
abusos cometidos- a qualquer
outro escândalo já registrado no
prontuário da vida parlamentar.
Chora um senador: recebia auxílio-moradia mesmo tendo casa
própria em Brasília. Abespinha-se o corregedor da Casa, deputado ACM Neto (DEM-BA): "Estão
colocando nomes de pessoas sérias como bandidos! Acho que a
imprensa quer fechar o Congresso". O líder do PTB, deputado Jovair Arantes (GO), reage à divulgação de gastos na internet: "Não
gostaria de ser patrulhado".
Patrulhados e patrulheiros, governistas e oposicionistas, alto
clero e baixo clero, congressistas
com reputação de seriedade e
outros sem reputação nenhuma,
pouco importa: o festival de irregularidades mostrou-se geral e
irrestrito.
Conforme iam se revelando as
dimensões da farra das passagens aéreas, Câmara e Senado
trataram, às pressas, de regularizar a situação. De início, julgou-se suficiente reduzir as cotas de
cada parlamentar, mantendo-se,
entretanto, a permissão para que
cônjuges e dependentes usufruíssem do privilégio, mesmo
em viagens ao exterior.
A medida soou como verdadeira provocação. Foi revista: promete-se agora que a concessão
de passagens irá se limitar aos
próprios parlamentares e a voos
em território nacional.
Mais importante do que a regra em si, anuncia-se o propósito
de disponibilizar na internet as
despesas de deputados e senadores com passagens, correios e ligações telefônicas, a exemplo do
que passou a ocorrer com verbas
indenizatórias.
Trata-se de corrigir, na medida
do possível, o estrago causado à
imagem da instituição e de fazer
com que cada parlamentar responda, individualmente, pelos
abusos que vier a cometer.
Ainda assim, numa nova manifestação de insensibilidade, corre entre as lideranças da Câmara
a proposta de incorporar aos
vencimentos do parlamentar os
benefícios que cercam o cargo.
Equiparado ao dos ministros do
STF, o salário dos deputados
passaria de R$ 16,5 mil para R$
24,5 mil. A ideia conta com o
apoio, por exemplo, do líder do
PT, Cândido Vacarezza (SP), e do
primeiro-secretário da Câmara,
Rafael Guerra (PSDB-MG).
Era só o que faltava: em pleno
escândalo, um aumento de salários. Mesmo quem espera o pior
possível do Congresso haverá de
mostrar-se incrédulo diante de
tal possibilidade.
Mas tudo é possível, quando a
maioria dos políticos brasileiros
comunga do "entendimento" de
que o exercício de uma função
republicana pode constituir mera fonte de vantagens pessoais e
quando a denúncia das irregularidades mais patentes é tratada,
por alguns parlamentares, como
um ataque à instituição que tantos deles próprios se comprazem
em arrastar na lama.
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