|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Bandeira amarela
RIO DE JANEIRO - Eram muitos,
estavam em todas as partes, usavam uma farda meio esculhambada, um quepe maior do que a cabeça, pareciam carteiros fatigados e
tristes, levando uma bandeirinha
amarela e uma espécie de regador
com creolina para desinfetar possíveis focos de mosquitos. Para os
editoriais da grande imprensa,
eram "os valorosos soldados de Oswaldo Cruz". No dia a dia das ruas e
das gentes, eram os mata-mosquitos -com hífen ou sem hífen, dava
no mesmo.
Colocavam a bandeirinha amarela na grade da casa que visitavam, tinham direito a vasculhar tudo, depois colavam um certificado, também amarelo, num canto qualquer,
atestando a visita mensal da saúde
pública.
Não sei por que, tinha medo deles. O pior que podia me acontecer
era ser um mata-mosquito quando
crescesse -se é que um dia eu cresceria. Por duas ou três vezes, fixei
meu pai na cadeira de balanço, imaginando como ele seria se, em vez
de jornalista, fosse mata-mosquito.
Intrigado, perguntou-me o que estava havendo, se havia alguma coisa
de errado com ele. Disfarcei, disse
qualquer coisa, mas voltei a pensar
naquela sinistra hipótese -e tinha
razão para isso.
Por força das circunstâncias, ou
por qualquer outra maldição do
destino, acabei seguindo a profissão
do pai, que era obscuro jornalista de
"O Paiz" e, mais tarde, do "Jornal do
Brasil", onde mais tarde comecei
minha faina profissional
Preguiçoso a ponto de não esperar um futuro decente para mim,
tenho a certeza de que, se ele fosse
mata-mosquito, eu também o seria,
dando sequência a uma dinastia
honrada, embora modesta. Volta e
meia, ainda acordo no meio da noite, fatigado e triste, levando minha
bandeirinha inútil, sem nada ter a
fazer com ela, matando os mosquitos da memória e da saudade.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Lavação de roupa suja Próximo Texto: Kenneth Maxwell: Cidades perdidas Índice
|