São Paulo, quinta-feira, 23 de abril de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Trabalho infantil é um soco no estômago

FLORIANO PESARO


O trabalho infantil é a representação mais alarmante da nossa falta de trabalho com a infância


TRABALHO infantil é proibido. É proibido não por decisão de alguma autoridade de plantão, mas pelo ECA (Estatuto de Criança e do Adolescente) e pela Constituição Federal, a Carta Magna da nação. Crianças em trabalho infantil e nas ruas mostram o grau de nosso atraso.
Por isso, causou-me surpresa o artigo do secretário municipal de São Paulo Marcos Cintra (Trabalho e Desenvolvimento Econômico), publicado neste jornal no dia 10/4, no qual ele considera um "equívoco" a decisão de retirar do trabalho infantil crianças que, numa academia de tênis, trabalhavam como pegadores de bola ("Um soco no estômago", "Tendências/Debates"). Em seu artigo, o secretário diz: "Um dia, as autoridades baixaram no recinto e proibiram, sob alegação de trabalho infantil, que esses jovens continuassem naquelas condições".
Ora, "as autoridades" a que ele se refere eram o então secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. Ou seja, eu. Sim, fui eu quem "baixou" na academia e "proibiu", em parceria com o Ministério Público do Trabalho da 2ª Região, o trabalho infantil que ali se praticava.
E foi uma das muitas ações impetradas pela secretaria no combate ao trabalho infantil, aliás, nossa prioridade. Não fiz nada agindo a meu bel-prazer, mas em consonância com as diretrizes nacionais e internacionais que condenam o trabalho infantil em todas as suas formas. A Constituição veda expressamente aos menores de 16 anos, exceto na condição de aprendiz, a partir de 14 anos, e a menores de 18 anos o trabalho noturno, perigoso e insalubre, o que se harmoniza com os tratados internacionais, em especial com as convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Esse entendimento permanece na nossa CLT, reiterado pelo ECA.
Essa realidade possui dois lados. As famílias excluídas que buscam formas alternativas de sobrevivência, como o trabalho infantil. Por outro lado, esse comportamento reproduz o ciclo perverso de perpetuação da pobreza. O combate ao trabalho infantil exige abordagem que aponte soluções não só econômicas e sociais.
Há necessidade de mudanças culturais significativas da sociedade e das famílias. Argumentos como "criança que trabalha fica mais esperta" ou "melhor trabalhar do que roubar" refletem a mentalidade de que o trabalho molda o caráter das crianças pobres. No entanto, essa visão encobre o efeito negativo do trabalho precoce no futuro da criança, comprometendo o seu desenvolvimento emocional e intelectual e, em última instância, o desenvolvimento de nossa sociedade.
O artigo do secretário traz a ideia errônea de que "aqueles jovens não puderam encontrar caminhos que evitassem que fossem transformados em meliantes e bandidos em potencial". Ele desconhece que não é a prática do trabalho infantil que evita a entrada desses jovens no mundo do crime. Muito ao contrário. É pelo trabalho infantil que a criança é explorada física, moral e sexualmente. Se queremos garantir a inserção qualificada dessas crianças no mercado de trabalho, temos um grande desafio pela frente: implementar de fato a Lei do Aprendiz e programas de geração de renda para os jovens e suas famílias.
Chega de ações paliativas. O que é realmente eficaz é a escola em tempo integral, pois, assim, elas sairiam das ruas e seriam reinseridas na sua família e na comunidade. Essa foi a política da administração Serra/Kassab. Tivemos bons resultados com o programa São Paulo Protege e a campanha "Dê mais que esmola. Dê futuro". Em 2005, cerca de 4.030 crianças e adolescentes encontravam-se em situação de rua e trabalho urbano. O censo de crianças em situação de rua e de trabalho infantil, realizado em 2007, apontou queda nos números aferidos em 2005. Foram identificadas 1.842 crianças e adolescentes, sendo 1.040 em trabalho infantil e 802 nas ruas.
O êxito das ações do programa São Paulo Protege deve-se em grande parte à realização da campanha "Dê mais que esmola. Dê futuro", que deu visibilidade ao problema e construiu parcerias entre o poder público e a sociedade civil organizada. Colocamos o foco na garantia dos direitos ao desenvolvimento saudável da criança.
Campanhas semelhantes foram implantadas com sucesso em outras capitais, como BH, Curitiba e Brasília. Mas o trabalho infantil persiste em outras formas, como o doméstico, dificílimo de vir à tona. O trabalho infantil é a representação mais alarmante da nossa falta de trabalho com a infância: não é tanto o que a criança está fazendo, mas o que deixamos de fazer com ela. A criança deve ter acesso a oportunidades que, de fato, façam-na voltar a sonhar.

FLORIANO PESARO, 41, sociólogo, é vereador de São Paulo pelo PSDB. Foi secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo (gestões Serra e Kassab).


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