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OTAVIO FRIAS FILHO
Segredo da fé
No excelente artigo publicado
este domingo no caderno Mais!,
o sociólogo da religião Antônio Flávio
Pierucci analisa os dados do Censo de
2000 e registra que o catolicismo brasileiro, embora ainda amplamente
majoritário, continua perdendo "fatias de mercado" para outros cultos. A
novidade é que essa tendência se acelerou nos anos 90.
O número dos que se declaravam
católicos involuiu de 95% (em 1940)
para 89% (1980) e 84% (1991) até chegar aos atuais 74%. O segundo grupo
mais expressivo, formado pelas diversas confissões evangélicas, cresceu de
9% para 15% da população nos últimos dez anos. Mesmo os sem-religião, 5% em 1991, agora passam de
7% do conjunto pesquisado.
O professor Pierucci conclui que a
violenta despolitização levada a termo no atual papado de nada serviu
para deter essa queda, se é que não a
acentuou. Não é confortável discutir
com um respeitado especialista, ainda
mais no espaço de um comentário
breve. Mas será que tal conclusão,
simpaticamente progressista, não
merece alguma controvérsia?
Um entusiasta de João Paulo 2º
sempre poderia argumentar que a
perda de influência teria sido ainda
mais acentuada se o papa não houvesse desmantelado a igreja "progressista" e proscrito a Teologia da Libertação. Mas deixemos essa especulação
de lado para tentar focalizar o que caracteriza as seitas que mais cresceram
no mesmo período.
Uma característica relevante é que
são sistemas de crenças que prometem uma resposta imediata e material. A quimera de uma remota vida
eterna, capaz de compensar as vicissitudes deste "vale de lágrimas", sensibiliza pouco. O importante é que a religião seja uma alavanca para obter
vantagens aqui e agora: emprego, vida
decente, vitória sobre as drogas.
Outro aspecto que chama a atenção
é que o apelo passa a ser individual,
em vez de coletivo, tal como era na
abordagem "sociológica" que marcou
a atuação do catolicismo progressista.
O crente é chamado a intervir em sua
própria vida e na de seus familiares e
amigos em lugar de compreender e
atuar contra as estruturas da injustiça.
O terceiro aspecto, que tanto tem
iludido a hierarquia católica, diz respeito ao frenesi místico, irracional,
que marca os novos e bem-sucedidos
cultos de massa. Menos presente na
Teologia da Libertação do que no catolicismo tradicional, o show místico
é apenas aparência a ocultar o essencial: as novas religiões são, no fundo,
profundamente materialistas.
Ou seja, a política de João Paulo 2º,
odiosa como é, apenas mimetiza as
tendências que predominam não somente no ambiente religioso mas na
própria mentalidade da nossa época:
individualista, materialista, formalmente irracional, radicalmente conservadora em sua descrença na possibilidade de reformar as estruturas da
economia e da sociedade.
Em outro excelente artigo no mesmo suplemento, o ensaísta Sergio
Paulo Rouanet resenha as tentativas
da filosofia mais recente de recuperar
a dimensão mística da experiência
humana. Difícil não vê-las, também,
como sintoma de que nossa razão iluminista nada pode contra a perenidade do capitalismo e seu cortejo de esplendores e misérias.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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