São Paulo, quinta-feira, 23 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Os "inafastáveis" limites da crítica

PEDRO PARENTE

Em artigo intitulado "Sobre energia", ("Tendências/Debates", pág. A3, 7/5), os professores Pinguelli Rosa, Roberto d'Araújo e Maurício Tolmasquim procuraram responder à carta que enviei ao sr. Luiz Inácio Lula da Silva em resposta à que o candidato enviou ao presidente Fernando Henrique sobre a crise de energia elétrica.
O artigo critica o conteúdo e a forma de minha resposta.
Em relação ao conteúdo, os temas abordados serão objeto de artigo específico, que está sendo elaborado por membros da Câmara de Gestão da Crise de Energia. Quanto à forma, estranharam a suposta agressividade por mim utilizada na resposta, principalmente diante da cortesia que, de fato, foi ampla e recíproca em encontro que com eles tive a respeito do tema.
Mais recentemente, em intervenção no 9º Congresso de Energia, o prof. Tolmasquim criticou-me porque eu teria ameaçado processar o prof. Ildo Sauer, em correspondência que dirigi à USP, devido às críticas que fez aos preços pelos quais a Companhia Brasileira de Energia Emergencial contratou os produtores independentes de energia. Essa minha atitude estaria sendo considerada sinal de suposta intolerância ao debate. Não penso que seja este o caso. Nunca me julguei dono da verdade e estou disposto, sempre, a discutir à exaustão as questões sobre as quais tenho responsabilidade de opinar e decidir. Em verdade, minha reação não foi de agressividade; foi de indignação, pelas razões que apresento a seguir.
Em relação às críticas do prof. Sauer, não vi, em nenhum momento, por parte dos que hoje me criticam, o registro de que tais críticas foram muito além das questões técnicas. Na realidade, com base em suas contas (erradas), o professor disparou uma série de declarações que atingiram a honra de todos os que participaram desse processo. Como as que afirmavam se tratar de um dos maiores escândalos recentes. Ou que estávamos praticando atos de improbidade administrativa, e por aí seguiu.
Ora, discordar tecnicamente é uma coisa, atingir a honra é outra completamente diferente. O prof. Sauer fez isso com total gratuidade, desconhecendo o processo utilizado na contratação dessa energia. Esse processo foi transparente, objeto de ampla divulgação, acompanhado pela imprensa desde o seu início, por auditoria independente e pelo Tribunal de Contas da União, tendo sido as propostas escolhidas rigorosamente pelo critério de menor preço. Foi também apresentado à Comissão Mista de Avaliação da Crise no Congresso Nacional, oportunidade em que fui instado por todos os parlamentares, inclusive da oposição, a persistir na contratação dessa energia, diante da situação dos reservatórios naquela ocasião.


Ora, discordar tecnicamente é uma coisa, atingir a honra é outra completamente diferente


É preciso lembrar que liderei um grupo com mais de uma centena de funcionários públicos com exemplar dedicação no período da crise. Eles superaram obstáculos e prejudicaram sua vida pessoal; tudo para que a crise tivesse o menor custo possível para a sociedade. Para mim e para todos esses funcionários, honra não é coisa com que se brinque, ainda mais com tal facilidade e superficialidade e sem razão objetiva.
Quanto à forma de minha resposta ao candidato Lula, os autores esqueceram-se de que, durante a discussão da medida provisória 14, oportunidade em que a carta do candidato foi enviada, o governo encontrava-se diante de crítica cerrada da oposição. Tal crítica baseava-se justamente no material preparado pelo prof. Sauer. Como já disse, tais alegações provocaram a mais intensa revolta na equipe de gestão da crise.
Mas nossas restrições não foram apenas por ter o candidato Lula utilizado o material do prof. Sauer para subsidiar sua correspondência. Foi também pelo fato de que não há registro nos protocolos da Presidência da República de que tenha escrito muitas cartas ao presidente Fernando Henrique Cardoso. Na realidade, não há registro de nenhuma outra correspondência. Será que a energia emergencial e o acordo geral do setor foram o único tema que merecesse tal cuidado do candidato? Além disso, por que a carta não foi escrita logo após a edição da MP 14, em dezembro de 2001, mas tão-somente no auge de sua discussão na Câmara, quatro meses depois?
Dizem ainda os autores do artigo que é dever do administrador público cuidar dos interesses do país, acima dos interesses de grandes grupos econômicos. Aqui concordamos em gênero, número e grau. No entanto cumprir esse dever é tão mais difícil quanto compreender que se deve fazê-lo mirando o interesse de longo prazo, e não o caminho fácil da demagogia de curto prazo.
No longo prazo, interessa ao país e é indispensável para os consumidores a existência de distribuidoras saudáveis, que possam prestar serviços com qualidade, a preços justos, e que tenham condições de investir. Esse foi o caminho que seguimos, em vez de obter dividendos políticos simplesmente aderindo à tese do "ferro nas distribuidoras".
Esse tema cai como uma luva para exemplificar e justificar o questionamento a respeito da coerência entre o discurso e a prática dos candidatos de oposição. Qual será o PT que irá prevalecer? O que se apresenta, de forma responsável e legítima, em reuniões nas quais representantes do partido defenderam interesses de agentes e investidores no setor elétrico? Ou o que, por sua ação no Congresso Nacional e por meio de outras iniciativas públicas, tal como a carta do candidato Lula ao presidente da República, desvela sinais de que, na realidade, ainda não abandonou crenças e práticas do passado?


Pedro Parente, 49, engenheiro eletrônico, é ministro-chefe da Casa Civil. Foi o coordenador da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica.



Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Arnaldo Jardim: Que se cumpra a Lei das Queimadas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.