São Paulo, quinta-feira, 23 de maio de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Que se cumpra a Lei das Queimadas

ARNALDO JARDIM

O artigo do professor José Goldemberg publicado ontem neste espaço ("A Lei das Queimadas", pág. A3) revela avanço importante no debate sobre a questão da eliminação gradativa da queima de cana no Estado de São Paulo. Ao defender uma nova lei para as queimadas, o secretário do Meio Ambiente reconhece que a Assembléia Legislativa é o fórum legítimo para disciplinar a questão.
Na condição de autor da lei 10.547, de 2000, em vigor, que disciplina o uso do fogo em atividades agrícolas e pastoris refuto, no entanto, as insinuações de que o veto do governador à lei teve origem na sua suposta permissividade. Talvez os inúmeros afazeres do professor não lhe tenham permitido mergulhar no histórico do problema. Na verdade, o governador Covas vetou a lei por influência de uma burocracia que quer sempre governar por decreto e eternizar o poder da caneta. A fragilidade das razões do veto levaram a Assembléia a derrubá-lo, inclusive com o voto da bancada governista.
Inconformada, a burocracia influenciou o governador Covas a não regulamentar a lei e novamente foi derrotada, desta vez pelo Judiciário, que determinou seu cumprimento.
Com a morte do saudoso governador Covas, seu sucessor, Geraldo Alckmin, procurou resolver o impasse regulamentando a lei por meio do decreto nš 45.869, de 22/6/01. Novamente os tecnocratas revelaram seu desprezo pelas instituições democráticas. O decreto do governador Alckmin (e não de Mário Covas, como afirma, mal assessorado, o professor Goldemberg) extrapolou a lei aprovada e se revestiu de ilegalidade.
Enfim, o governo encaminhou um projeto de lei à Assembléia, sobre o qual tenho algumas considerações.
Ele se equivoca ao exigir, a partir desta safra, a não-utilização de fogo para fins de colheita em 25% da área mecanizável e 13,35% da área não-mecanizável de cana-de-açúcar no Estado, o que provoca uma redução dos prazos de erradicação da queima previstos atualmente.
Da legislação em vigor, consta a eliminação de 15% da queima em áreas mecanizáveis nesta safra e não se estabelece cronograma para as áreas não-mecanizáveis. Para estas áreas a lei prevê uma avaliação quinquenal com o objetivo de saber do desenvolvimento de máquinas capazes de proceder o corte.


A eliminação das queimadas só pode ser obtida pelo amadurecimento dos agentes envolvidos


Discordo dessa proposição do governo pelas seguintes razões:
A proposta do governo acelera a mecanização em 55% (área passível de mecanização), além de forçar a erradicação dos outros 45% (área não-mecanizável) dos 2,3 milhões de hectares destinados ao plantio de cana-de-açúcar no Estado, acelerando o desemprego. Apenas nesta safra, com a proposta do governo, seriam mais de 10 mil empregos diretos ceifados, só com a eliminação do uso do fogo em 25% das áreas mecanizáveis;
Quem conhece minimamente a cultura da cana-de-açúcar sabe que é impossível colher mecanicamente uma área plantada para a colheita manual, devido à enorme diferença de "design" entre um e outro sistema de produção. Posto isto, é importante lembrar que a cana é uma cultura de ciclo longo (cinco anos) e a cada ano é apenas possível renovar uma parcela do canavial, sendo tecnicamente inviável atender às exigências do projeto de lei do governo;
A eliminação do uso do fogo na área agrícola precisa ser feita de forma monitorada e gradativa, para evitar a incidência indiscriminada de erosões e proliferação de pragas como a cigarrinha.
O fato é que o governo insiste em mexer numa lei que busca disciplinar e estabelecer um cronograma de erradicação do uso do fogo, garantindo os limites tecnológicos e de realocação da mão-de-obra. Uma lei que preserva o emprego dos trabalhadores e garante o acesso à atividade aos pequenos e médios agricultores, num trabalho conectado com a realidade do Brasil agrícola, atendendo às necessidades de preservação do meio ambiente de maneira muito mais efetiva do que proibições verticais, que jogam para a platéia mas não resolvem o problema.
Infelizmente, os burocratas do governo não entendem que a eliminação das queimadas só pode ser obtida pelo amadurecimento dos agentes econômicos e sociais envolvidos. Este é o grande mérito da lei de minha autoria.
Em vez de atirar no pé de uma das principais atividades econômicas do Estado, a hora é de saudar os diferenciais positivos que este setor confere ao Brasil: sequestra mais de 42 milhões de toneladas de CO2 da atmosfera; acaba de ver credenciada para créditos de carbono a Usina Vale do Rosário, de Morro Agudo, graças a projeto de co-geração de energia elétrica a partir do bagaço de cana; é um dos grandes responsáveis pela nossa matriz de energia limpa; tem um programa de utilização de álcool combustível em larga escala elogiado e copiado por diversos países do mundo.
Estou empenhado na discussão do projeto de lei do governo. Acho até que há possibilidade de aprimoramento da legislação atual. Mas, antes de tudo, é preciso que o Executivo cumpra a lei.


Arnaldo Jardim, 47, engenheiro civil, deputado estadual pelo PPS-SP, é coordenador da Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável.



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