São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 2006

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Uma tragédia brasileira

A REBELIÃO do crime em São Paulo foi uma tragédia brasileira cujo horror palavras não expressam.
A razão pela qual países menos pobres como a Rússia e o Brasil são mais violentos do que países mais pobres como a Índia e a China é que aqueles estão mais desorganizados do que estes. Falta de oportunidade econômica pesa. Decisiva, porém, é a falta de densidade associativa e de integridade familiar: a prática do crime, de qualquer espécie, desaba quando a sociedade está organizada na base para ver e reagir e tem como ser parceira de uma polícia capacitada. Na ordem das causas, logo depois da desorganização da sociedade vem, portanto, a desqüalificação e o empobrecimento da polícia.
O crime organizado no Brasil impõe-se nesse duplo vazio. Seus chefes mostram a face pervertida da pequena burguesia de emergentes que revoluciona o país, no silêncio e para o bem. O antídoto é tornar o tráfico de armas e o narcotráfico, os esteios do crime organizado, crimes federais, mesmo quando não atravessem fronteira; multiplicar os quadros e os recursos da Polícia Federal; preparar seus integrantes numa Academia Nacional de Polícia; empenhar todos os poderes do governo federal no esforço para desmontar sistematicamente o negócio do crime organizado e abrir nos presídios, humanizados, oportunidades para iniciar carreira legítima depois de sair.
O crime comum exige resposta mais profunda. Nos bairros pobres de nossas grandes cidades, mais da metade das famílias estão desestruturadas, conduzidas por uma mulher que luta heroicamente para salvar os filhos enquanto os homens se revezam como companheiros instáveis. A organização comunitária e religiosa, rarefeita, não consegue substituir a família. De um lado, manter a criança na escola o dia todo; organizar associações de pais que trabalhem com as escolas e os governos para identificar as crianças em maior perigo, apoiando-as e colocando-as, quando preciso, em famílias substitutas; difundir o crédito popular, com garantia dos pequenos grupos empreendedores e transformar programa maciço de construção de moradias, com materiais semi-acabados e engajamento popular, em palco de revigoramento comunitário. De outro lado, aumentar dramaticamente os salários e os instrumentos das polícias estaduais. E organizar e equipar as comunidades para atuar ao lado da polícia no trabalho permanente de vigiar e de prevenir.
Tudo isso pode começar a ser feito já. O simples começo seria promessa de vida nova para o Brasil.

www.law.harvard.edu/unger


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nessa coluna.


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