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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Uma tragédia brasileira
A
REBELIÃO do crime em São
Paulo foi uma tragédia brasileira cujo horror palavras
não expressam.
A razão pela qual países menos
pobres como a Rússia e o Brasil são
mais violentos do que países mais
pobres como a Índia e a China é
que aqueles estão mais desorganizados do que estes. Falta de oportunidade econômica pesa. Decisiva, porém, é a falta de densidade associativa e de integridade familiar:
a prática do crime, de qualquer espécie, desaba quando a sociedade
está organizada na base para ver e
reagir e tem como ser parceira de
uma polícia capacitada. Na ordem
das causas, logo depois da desorganização da sociedade vem, portanto, a desqüalificação e o empobrecimento da polícia.
O crime organizado no Brasil impõe-se nesse duplo vazio. Seus chefes mostram a face pervertida da
pequena burguesia de emergentes
que revoluciona o país, no silêncio
e para o bem. O antídoto é tornar o
tráfico de armas e o narcotráfico,
os esteios do crime organizado, crimes federais, mesmo quando não
atravessem fronteira; multiplicar
os quadros e os recursos da Polícia
Federal; preparar seus integrantes
numa Academia Nacional de Polícia; empenhar todos os poderes do
governo federal no esforço para
desmontar sistematicamente o negócio do crime organizado e abrir
nos presídios, humanizados, oportunidades para iniciar carreira legítima depois de sair.
O crime comum exige resposta
mais profunda. Nos bairros pobres
de nossas grandes cidades, mais da
metade das famílias estão desestruturadas, conduzidas por uma
mulher que luta heroicamente para salvar os filhos enquanto os homens se revezam como companheiros instáveis. A organização
comunitária e religiosa, rarefeita,
não consegue substituir a família.
De um lado, manter a criança na
escola o dia todo; organizar associações de pais que trabalhem com
as escolas e os governos para identificar as crianças em maior perigo,
apoiando-as e colocando-as, quando preciso, em famílias substitutas;
difundir o crédito popular, com garantia dos pequenos grupos empreendedores e transformar programa maciço de construção de
moradias, com materiais semi-acabados e engajamento popular, em
palco de revigoramento comunitário. De outro lado, aumentar dramaticamente os salários e os instrumentos das polícias estaduais. E
organizar e equipar as comunidades para atuar ao lado da polícia no
trabalho permanente de vigiar e de
prevenir.
Tudo isso pode começar a ser feito já. O simples começo seria promessa de vida nova para o Brasil.
www.law.harvard.edu/unger
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras
nessa coluna.
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