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CARLOS HEITOR CONY
S. Exª., o bandido
RIO DE JANEIRO - Manchete de
jornal na semana passada: "Polícia
mata 107 suspeitos". Em outro jornal, a descoberta de que o recente
massacre em São Paulo foi pior do
que a chacina do Carandiru. Segundo grande parte da mídia, deu a louca na polícia -que já é louca por definição. Saiu pela cidade a esmo,
matando suspeitos para se distrair,
ou "por motivos torpes" -conforme li em outro jornal.
Pouco a pouco, forma-se o consenso: policiais sem ter nada o que
fazer, apenas para saciar bestiais
instintos, saem às ruas metralhando quem for julgado suspeito, independentemente do grau de suspeição. Como se permite que agentes
da lei, pagos pelo Estado, com armas do Estado, assassinem barbaramente cidadãos que deveriam
contar com a proteção do mesmíssimo Estado?
Li em algum lugar que, tanto em
São Paulo como no Rio, existem
mais bandidos na rua do que nas penitenciárias. Não são fugitivos, mas
indultados ou libertados, porque
não cabe mais gente nas celas. Em
datas magnas da cristandade (Natal, Páscoa, Sexta-Feira Santa) ou
da sociedade civil, muitos são soltos
-foram 12 mil só no último Dia das
Mães.
Amanhã, o carandiru (a palavra
virou substantivo comum) poderá
ser no Rio ou em outras capitais e
em cidades onde há polícia que gosta de matar suspeitos. Suspeitos de
quê? Não se sabe bem de quê. Suspeito é suspeito. É quem a gente
acha que é suspeito.
Com a arma engatilhada, o policial vê um tipo que, por qualquer
motivo, não lhe é simpático. Pode
ser um cidadão pacato, não um criminoso indultado ou um foragido.
Atira para matar. No dia seguinte, a
mídia indignada pergunta: "Onde
estamos?".
Resposta: no Brasil, América do
Sul, mundo.
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