São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 2006

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CARLOS HEITOR CONY

S. Exª., o bandido

RIO DE JANEIRO - Manchete de jornal na semana passada: "Polícia mata 107 suspeitos". Em outro jornal, a descoberta de que o recente massacre em São Paulo foi pior do que a chacina do Carandiru. Segundo grande parte da mídia, deu a louca na polícia -que já é louca por definição. Saiu pela cidade a esmo, matando suspeitos para se distrair, ou "por motivos torpes" -conforme li em outro jornal.
Pouco a pouco, forma-se o consenso: policiais sem ter nada o que fazer, apenas para saciar bestiais instintos, saem às ruas metralhando quem for julgado suspeito, independentemente do grau de suspeição. Como se permite que agentes da lei, pagos pelo Estado, com armas do Estado, assassinem barbaramente cidadãos que deveriam contar com a proteção do mesmíssimo Estado?
Li em algum lugar que, tanto em São Paulo como no Rio, existem mais bandidos na rua do que nas penitenciárias. Não são fugitivos, mas indultados ou libertados, porque não cabe mais gente nas celas. Em datas magnas da cristandade (Natal, Páscoa, Sexta-Feira Santa) ou da sociedade civil, muitos são soltos -foram 12 mil só no último Dia das Mães.
Amanhã, o carandiru (a palavra virou substantivo comum) poderá ser no Rio ou em outras capitais e em cidades onde há polícia que gosta de matar suspeitos. Suspeitos de quê? Não se sabe bem de quê. Suspeito é suspeito. É quem a gente acha que é suspeito.
Com a arma engatilhada, o policial vê um tipo que, por qualquer motivo, não lhe é simpático. Pode ser um cidadão pacato, não um criminoso indultado ou um foragido. Atira para matar. No dia seguinte, a mídia indignada pergunta: "Onde estamos?".
Resposta: no Brasil, América do Sul, mundo.


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