São Paulo, sábado, 23 de maio de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

O "novo Enem" democratiza o acesso ao ensino superior e induz melhorias no ensino médio?

SIM

Expansão e reestruturação

ALOISIO TEIXEIRA

 
"Para haver ensino primário, é necessário que exista antes o secundário, e para que o secundário funcione, é preciso que existam universidades"
(Anísio Teixeira)

TEMOS UM problema -reconhecê-lo é um passo importante para resolvê-lo. O sistema brasileiro de educação superior é um dos mais excludentes do mundo. Apenas 13% dos jovens entre 18 e 24 anos nele estão matriculados e menos de um quarto em instituições que articulam ensino, pesquisa e extensão com qualidade; a maior parte delas são as universidades públicas. Nos países mais desenvolvidos da América do Norte, da Europa e da Ásia, os percentuais alcançam 70% ou mais. Na América Latina, a média é superior a 30%. Esse quadro agravou-se nos anos 90, quando acelerou-se o processo de encolhimento do segmento público. O governo da época via o investimento no ensino superior como um gasto, submetido a critérios de "eficiência" e "produtividade". O argumento era o de que a prioridade deveria estar voltada para a educação básica, e não para a superior, em vez de considerá-las como partes indissociáveis de uma mesma estrutura, como alerta Anísio Teixeira há mais de 70 anos. Alguma coisa mudou nos últimos anos: reabriu-se o diálogo entre o MEC e as universidades, foi-se o tempo das intervenções, respeitou-se o direito das universidades federais de escolher seus dirigentes, as propostas apresentadas pelo MEC foram prévia e amplamente divulgadas e discutidas publicamente, recuperaram-se orçamentos, retomaram-se concursos para contratação de docentes, criaram-se novas universidades federais e novos campi. O sistema público federal de educação superior está recuperando o protagonismo perdido. A parte mais significativa, porém, constitui-se dos programas de expansão e reestruturação nas universidades, agora combinados com o novo Enem. Muitos ainda acreditam que o "vestibular" é um "mal necessário". Mas ele é muito mais que isso: é parte do mecanismo perverso de exclusão e promoção da desigualdade. E, como tal, deve ser enfrentado e superado. Já há relativa consciência do problema. Instituições vêm adotando mecanismos alternativos e complementares ao vestibular: cotas raciais, sociais ou para escola pública, utilização total ou parcial do Enem, sistemas de bônus em pontuação, avaliação paralela na rede do ensino médio. A proposta do MEC -usar o Enem como subsídio para o acesso às universidades federais- pode ser o ponto de partida para a revogação desse mecanismo perverso, para a democratização do acesso e para a consolidação do caráter público dessas instituições. Sobretudo porque é parte indissociável do processo de expansão e reestruturação em curso, que já aponta para a duplicação do número de vagas no sistema federal. Mais vagas, mais recursos, novos mecanismos de acesso e políticas ativas de assistência estudantil é o caminho trilhado. Essas mudanças não poderiam deixar de gerar dúvidas e resistências. Devemos enfrentá-las com a certeza de que se trata de uma proposta em construção para ser testada desde já e aperfeiçoada com a experiência. Um ponto pode ser indicado: estender a prova a todos os anos do ensino médio, para que se possa utilizar não apenas o resultado de uma única bateria de exames, mas o de três anos. Do ponto de vista didático-pedagógico, isso eliminaria os problemas de um processo de avaliação de mérito em uma única rodada de provas, além de potencializar o impacto nos currículos do ensino médio. Não devemos esperar resultados imediatos em termos de modificações da composição social ou da distribuição regional dos novos ingressantes. Os resultados virão em prazos mais longos, desde que tenham continuidade as políticas de expansão e que os mecanismos inovadores de ingresso sejam aperfeiçoados. Tudo isso é só o começo. À medida que a sociedade consolide a consciência de que esse é o caminho para a construção de uma nação soberana e progressista e de uma sociedade democrática e socialmente justa, o que agora é apenas um programa de governo poderá tornar-se uma política de Estado, impossível de ser revogada, quaisquer que sejam os governos.


ALOISIO TEIXEIRA , doutor em economia pela Unicamp, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e reitor dessa universidade.


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Sandra Zákia Sousa e Ocimar Alavarse: Quem se beneficia dessas alterações?

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.