São Paulo, domingo, 23 de junho de 2002

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HISTERIA DOLARIZADA

Designar o comportamento dos mercados financeiros como irracional não é novidade.
Com relação ao Brasil, há poucos meses havia um consenso de que o país jamais repetiria a Argentina. Agora muitos se angustiam com a possibilidade de um "default".
Inquietações do mesmo gênero surgiram em crises anteriores. Erraram sempre os que apostaram no exagero. O país não ficou incólume às turbulências. Nem mergulhou em situações de colapso financeiro.
Resta saber se, como e quando a deterioração de expectativas será revertida, deixando para trás a histeria.
O pior cenário é o de aprofundamento da crise até o colapso sistêmico. No cenário alternativo, as condições se deterioram rumo à recessão, mas sem ruptura ou colapso.
Os mercados julgam que o Brasil marche para um colapso do sistema de pagamentos. Desenfreada, a busca por dólares conduziria à destruição do real, incapacitando empresas e governos a saldar compromissos.
No cenário de ajuste recessivo, também ocorrem forte desvalorização do real e contração importante do crédito interno e externo.
A recessão reduziria o poder de compra de empresas e de consumidores. Também comprometeria o ajuste fiscal e o gasto público, pois cairia a arrecadação de impostos.
Mas a diferença crucial entre os dois cenários está na capacidade de obtenção de dólares pelo governo.
O colapso ocorre apenas quando há uma escassez incontornável de moeda forte, como na Argentina.
A fuga de capitais drenou as reservas daquele país. Além disso, o longo período de câmbio fixo comprometeu a capacidade de exportação da Argentina, superdimensionando sua dependência de importações.
Finalmente, a dolarização total da dívida pública e da própria base monetária tornou inviável a obtenção, na crise, de divisas em volume suficiente para conter o colapso do sistema de pagamentos. Nesse contexto, a recessão é incapaz de resolver o drama essencial: não há como conseguir os dólares necessários.
O caso brasileiro está mais próximo a uma situação em que a recessão pode ser mais eficiente para a obtenção dos dólares que contenham a desvalorização cambial.
Três anos e meio depois do abandono da âncora cambial, a estrutura produtiva pode não ser competitiva a ponto de conquistar mercados mundiais, de resto desaquecidos.
Mas a substituição de importações avançou. E não se trata do abandono de um câmbio irrealista. A recessão também reduz as importações.
Ou seja, o Brasil tem uma estrutura produtiva capaz de produzir um saldo comercial maior. Combinada aos recursos oferecidos pelo FMI e às reservas, cria-se colchão amortecedor que faz a diferença entre trajetórias de colapso sistêmico e de recessão.
Na prática, o mais provável é um terceiro cenário, em que não se produz o colapso do sistema de pagamentos nem a recessão é tão brutal assim. Os mercados funcionam à base de expectativas. Se o cenário recessivo sem ruptura se torna mais provável, a manada muda de direção e pode até voltar à euforia.
No governo FHC, a dependência aumentou, mas está longe da tragédia argentina. No Brasil, os sistemas financeiro e de pagamentos são menos internacionalizados e a estrutura produtiva pode gerar divisas.
A histeria financeira é dolarizada. Mas a economia brasileira não é.



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