São Paulo, domingo, 23 de junho de 2002

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PAIXÃO E TRANSGÊNICOS

A idéia de travar um debate racional e sereno acerca da utilização de organismos geneticamente modificados (OGMs), os populares transgênicos, tornou-se uma impossibilidade prática. Contendores de ambos os lados argumentam de forma tão apaixonada que acabam contaminando a própria racionalidade. Nessa confusão, é o consumidor que fica sem saber para que lado ir.
Há dois tipos de risco associados aos OGMs. Poderiam afetar tanto a saúde humana como o ambiente.
No primeiro tópico, uma das maiores preocupações dos pesquisadores é com as alergias. Imagine-se um novo tipo de milho que utilize um gene tirado do amendoim. Pouca gente é alérgica a milho, mas número não-desprezível o é ao amendoim. Existe a possibilidade de que a pessoa alérgica ao amendoim consuma o milho transgênico e sofra então um choque anafilático. Os cientistas estão atentos para o problema das alergias, e não surgiram indícios de que elas ocorram em níveis significativos.
Um outro risco teórico no consumo de OGMs é que ele leve a complicações desconhecidas por conta do que os cientistas chamam de efeito pliotrópico. Mais uma vez, no mundo real não há evidências de que isso ocorra. Os transgênicos estão nas mesas dos norte-americanos já há cinco anos sem que tenham sido constadas anormalidades.
Sobre o ambiente, as razões para o temor são mais sólidas. Há estudos, ainda inconclusivos, que demonstram que a introdução de um OGM pode afetar outras espécies. Aqui, lida-se com uma cadeia longa e desconhecida de interações entre espécies. A possibilidade de ocorrerem surpresas é considerável. Para agir com propriedade, seria preciso avaliar OGMs caso a caso, e sempre no ecossistema em que serão introduzidos.
Do mesmo modo que os adversários dos transgênicos não foram capazes de demonstrar de modo irrefutável seus malefícios, os defensores da utilização desses produtos ainda não demonstraram de modo cabal a sua vantagem. As perspectivas teóricas são de fato interessantes. Incluem diminuição ou até eliminação do uso de agrotóxicos e, para os chamados transgênicos de segunda geração, o aprimoramento do valor nutricional dos alimentos, como no caso do Arroz Dourado, enriquecido com beta-caroteno, um precursor da vitamina A. No limite, poderiam até ser criadas "vacinas" ingeríveis.
Na prática, porém, os ganhos de produtividade foram bem mais modestos. A crer nos fabricantes, não foram suficientes nem para compensar o custo da rotulagem obrigatória, que muitos, inclusive esta Folha, defendem. Por menores que sejam os riscos de consumir OGMs, eles em teoria existem. Isso basta para que se garanta a cada consumidor o direito de decidir se quer ou não comer a "comida frankenstein", como foram apelidados os transgênicos.



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