São Paulo, sexta-feira, 23 de junho de 2006

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JOSÉ SARNEY

A bagunça eleitoral

ESTE FIM de semana é a "Torre de Babel" das convenções partidárias. Confesso que na minha vida pública, 50 anos, presenciei muitas eleições, mas nenhuma tão tumultuada, incerta e confusa na legislação e na organização partidária quanto esta. Se os números das pesquisas oferecem uma clareza de intenção do eleitor, com o presidente Lula isolado na frente, o mesmo não ocorre com os partidos. Ninguém sabe, num país de tantas diversidades sociais, políticas, econômicas, com quem vai aliar-se. Uma idéia que deve ter nascido pensando tratar-se de um avanço, a verticalização, provocou uma confusão tão grande, uma balbúrdia de tamanha grandeza, que desmontou o sistema partidário. Tudo isso para quê? Lembremos o velho Ascenso Ferreira, no seu poema sobre o gaúcho, com suas esporas, e ele a perguntar e a responder: "Para quê? Pra nada!". Como pensar que nesse mapa tão retalhado de contradições pairasse, como unidade intocável, o partido nacional com obediência capaz de romper a legítima fidelidade das correntes políticas locais, onde são mais autênticas, porque mais próximas do povo. A primeira conseqüência foi a corrida dos partidos para fugir a essa regra, contorná-la, a registrar candidatos, digladiando-se os grupos internos, fracionando ainda mais a já quebrada vida dos partidos. Depois, a insegurança de quem coligava com quem, quem apoiava quem. Era a flutuação do jogo partidário? Não, era uma busca de fugir dos efeitos da verticalização. A verticalização viola a lei mais fundamental da vida democrática, que se organiza num sistema de capilaridade debaixo para cima, e não de cima para baixo. Outro catalisador foi o escândalo do "valerioduto", que provocou a necessidade de encontrar meios de controlar o famoso caixa dois das eleições. A primeira e mais fácil solução foi "tirar o sofá da sala", diminuir a demanda por dinheiro, evitando a transformação das eleições numa pândega de gastos com brindes, santinhos, e showmícios, em que as idéias que rolavam eram a de saber o que mais sucesso fazia: o heavy metal, rap, funk, banda de calcinha preta ou chicletes com abacaxi. E o candidato e as idéias? Era vaiado quem quisesse tratar dessas coisas. No mais, o glamour dos milionários programas eleitorais, disputa de agências de propaganda. Nessa zorra, veio a Copa do Mundo, e ninguém quer saber de convenção nem de eleição. Restaram o bivacar e a apatia dos famélicos partidos a largar os pedaços e as vergonhas.

jose-sarney@uol.com.br


JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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