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CLÓVIS ROSSI
O virtual e o sangue (real)
FRANKFURT - Após o golpe de 11
de setembro de 1973, os militares
chilenos fecharam o país por terra,
mar e ar para não terem o testemunho incômodo de jornalistas a respeito do banho de sangue que promoveriam, com uma sanha espantosa até na história truculenta da
América Latina.
Consegui chegar a Santiago apenas uma semana depois, mas ainda
havia filetes de sangue no rio Mapocho, que banha a cidade.
É óbvio que a expulsão dos enviados especiais e o confinamento dos
correspondentes, promovido agora
pelo governo iraniano, tinha um
objetivo similar. Mas os tempos
mudaram e há novas tecnologias de
informação, como o "twitter" e os
celulares que tiram fotos ou filmam
-tudo isso fez com que o banho de
sangue aparecesse instantaneamente, ao contrário do ocorrido no
Chile.
O jornal francês "Le Figaro" trata
até como martir-ícone da web a estudante Neda Soltani, cuja morte
foi a abertura também da coluna
"Toda Mídia" desta Folha. Nem se
sabe a idade correta de Neda. Há
quem diga 20 anos, há quem rebaixe para 16, mas o fato é que, como
diz o "Figaro", "Neda deu um rosto
ao martírio dos opositores de Ahmadinejad", o presidente do Irã.
Sim, é aquele mesmo que seu colega Luiz Inácio Lula da Silva avalizou prontamente, com uma leviandade que os acontecimentos tornam dia a dia mais patética.
Não é a hora de discutir os defeitos e qualidades desses novos instrumentos de informação. O fato é
que eles ajudaram a criar uma situação internacional complicadíssima: a difusão do sangue fez, por
exemplo, a Itália orientar sua embaixada em Teerã a prestar "ajuda
humanitária" aos feridos que a procurarem, à espera de que a União
Europeia adote idêntica atitude,
mas de forma coletiva.
Hoje, pode-se até fechar fisicamente um país, mas virtualmente
ele está aberto. Felizmente.
crossi@uol.com.br
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