São Paulo, quarta-feira, 23 de junho de 2010

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Passo chinês

Recebida com ceticismo, decisão do BC da China de retomar oscilações da moeda sugere mudança paulatina na direção da economia do país

A China anunciou o fim da cotação fixa de sua moeda em relação ao dólar, que vigorava desde julho de 2008, quando se agravou a crise financeira global. Antes, o país mantinha um regime de rigidez, mas havia margem para variações controladas.
A novidade não significa que os chineses adotaram a flutuação cambial, algo que poderá ocorrer no futuro como resultado da gradual integração financeira do país com o resto do mundo.
A partir de agora, a moeda chinesa oscilaria em relação a uma cesta de moedas, mas dentro de limites estreitos, determinados pelas autoridades. Como é comum na China, um véu de mistério encobre a decisão: não se sabe que moedas farão parte da cesta nem como a taxa poderá variar.
O Banco Central chinês deixou claro que a estabilidade do valor da moeda continua a ser um objetivo fundamental do país, o que esfriou as expectativas de mudanças sensíveis e imediatas.
Muitos analistas consideram que a novidade é apenas cosmética, destinada a aplacar temporariamente a fúria dos EUA e de outros países contra o artificialismo cambial destinado a impulsionar as exportações chinesas.
É possível que seja assim, mas não aparece que seja o caso. Em primeiro lugar, as autoridades chinesas têm plena consciência das fragilidades de seu modelo de crescimento, ancorado em demasia nas exportações e com consumo interno muito baixo. Nos últimos dez anos, a participação do consumo no PIB caiu de 45% para apenas 35%, relação muito baixa quando comparada à do restante da Ásia (cerca de 50%), da Europa e Brasil (65%) e dos EUA (71%).
É um objetivo das autoridades aumentar esse percentual, em detrimento dos investimentos e das exportações. Para isso precisam adotar políticas de incentivo ao consumo, que devem ser acompanhadas da criação de uma rede de proteção social e valorização da taxa de câmbio que induza a economia a investir mais em setores ligados ao mercado interno.
Outro ponto importante é que a persistência de superávits externos implicará acúmulo contínuo de reservas internacionais, que são investidas em títulos públicos de países ricos -americanos e, em menor escala, europeus. Ora, foi justamente a incapacidade desses países de continuar se endividando o fator de erupção da crise financeira. Será muito difícil para o Ocidente aceitar que os chineses continuem aumentando sua posição credora.
Do ponto de vista da China, certamente há fatores que sugerem cautela na gestão do câmbio, entre eles os interesses constituídos nos setores de exportação e as incertezas sobre a continuidade da recuperação global. Mas não se podem perder de vista os fatores estruturais mencionados, que são determinantes para um saudável equilíbrio global.
Como disse Confúcio: "Não importa o quão devagar você esteja indo, desde que não pare".


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