São Paulo, Quarta-feira, 23 de Junho de 1999
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Limites

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Até minha mulher, tucaníssima, embora crescentemente desiludida, atacou logo cedo, mal desci para o café da manhã: "O presidente chegou ao limite outra vez".
Estava se referindo ao texto em que Fernando Henrique Cardoso dizia que sua tolerância chegara ao limite. Quando até uma tucana de carteirinha usa o "outra vez", sem disfarçar a ironia, é porque a coisa está ficando feia para o lado do presidente.
E a culpa é dele, só dele. No início do mês, FHC já havia convocado todo o ministério para dizer que chegara ao limite. Não queria mais a guerrilha interna que corrói o seu governo. Quem não estivesse de acordo com as diretrizes que pedisse demissão, chegou a insinuar o presidente.
Ingênuo e bem-intencionado como sempre, ainda cheguei a perguntar a um dos ministros se, dessa vez, era para valer. Claro que ele respondeu que era. Não era, viu-se logo depois, no episódio da posse do chefe da Polícia Federal (agora, já ex-chefe), um certo João Batista Campelo.
O ministro da Justiça, Renan Calheiros, fez um discurso de alguns segundos, de pura birra. Se o presidente fosse Wanderley Luxemburgo, Calheiros já estaria cortado da "seleção" ministerial ("seleção", aí, é só por analogia).
Antes, durante sua mais recente excursão européia, FHC já havia dito que estava cansado, uma outra forma de dizer que chegara ao limite. Estava cansado de impunidade, afirmou.
Mesmo cansado de impunidade, não parece ter feito o menor esforço para punir ou pelo menos descobrir os autores do dossiê Caribe e dos grampos nos telefones de autoridades, nos quais ele próprio se enredou.
Desconfio que o presidente se cansa tanto dos limites porque ele próprio ultrapassou todos os limites, primeiro na montagem da coalizão com que governa há quatro anos meio e, depois, na sinfonia de desacertos de seu governo, para usar uma palavra bem suave.
Como não sabe mais quais são os limites, cansa-se deles com facilidade. Azar do país.


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