São Paulo, Quarta-feira, 23 de Junho de 1999
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Raposas e bodes

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Com a diferença de pouquíssimos meses, o governo empossa cidadãos em cargos importantes e três dias após aceita a demissão deles. Alguma coisa está errada, não com os demitidos, que em apenas três dias nem tiveram tempo para praticar qualquer desatino.
O erro é do governo fragilizado pela mediocridade pessoal do presidente da República, que se acha irresistível porque deixa as coisas rolarem. Apesar de cumprir seu segundo mandato, não aprendeu a dirigir a sua equipe. Acha mais confortável ser dirigido por ela.
Os episódios vividos por Chico Lopes e João Batista Campelo não foram idênticos, mas análogos. Deixaram a nu a tibieza do presidente em governar. E até mesmo a sua leviandade.
Impossível que ele não soubesse do dinheiro que Chico Lopes havia mandado para o exterior por intermédio de um amigo. A remessa poderia até ser justificável -caberá a Chico Lopes prová-la como legal.
Impossível também que não soubesse da existência de um processo de 1970 que denunciava a tortura de presos políticos que estavam sob a custódia de Campelo.
Os grupos que se engalfinham nas entranhas do Planalto se encarregariam de divulgar esses lances da biografia dos indicados para o Banco Central e para a Polícia Federal.
Poder-se-ia desculpar FHC se houvesse ingenuidade presidencial diante das raposas que o rodeiam. Mas não houve ingenuidade. Houve esperteza. O presidente também se considera uma raposa, uma raposa mais esperta do que as outras.
Nomeou Chico Lopes e Campelo porque estava pressionado pelos grupos que o apóiam. Queria dar a impressão de que não recebia pressões e, paradoxalmente, sentia-se confortável porque estava sendo pressionado. Se as nomeações dessem bode, poderia jogar a culpa nos outros.
Os bodes podem invocar a condição de expiatórios. E o bode da vez poderá ser uma raposa fatigada de não dar certo.


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