São Paulo, Quarta-feira, 23 de Junho de 1999
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Capitais voláteis e Congresso Nacional


O controle dos capitais voláteis no mercado internacional é um problema fundamental para todas as nações


FRANCO MONTORO

O controle dos capitais voláteis no mercado financeiro internacional é um problema fundamental para a economia de todas as nações, especialmente para as economias ditas emergentes, como a brasileira. Uma especulação de alguns minutos numa Bolsa pode arruinar países inteiros, destruindo o trabalho de milhões de pessoas. É famoso o caso da operação que levou à falência um dos bancos ingleses mais antigos do mundo, o Barings, conduzida a partir de Cingapura por um jovem de 30 anos.
Sob o impacto da especulação, países como Indonésia, Malásia, México, Brasil, Equador, Chile, Argentina, Rússia e Japão sofrem crises dramáticas e desestabilizadoras. Quando isso acontece, segundo o relatório "Rumo a uma Nova Arquitetura Financeira Internacional", da ONU (21 de janeiro de 1999), "os setores mais pobres da sociedade pagam parte substancial dos custos (...), que tendem a cair desproporcionalmente sobre mulheres e crianças".
Esse quadro mostra a urgência de mudanças no sistema financeiro internacional, especialmente no que toca ao controle da especulação de curto prazo. O problema, que não pode ser resolvido isoladamente por um país, tem sido objeto de propostas feitas por personalidades de notória competência técnica e por organismos internacionais. Entre elas, destaca-se o citado relatório da ONU, elaborado pelo grupo de trabalho do Comitê Executivo de Assuntos Econômicos e Sociais, do qual foi relator o secretário-executivo da Cepal, o economista José Antonio Ocampo.
O Brasil não pode ficar alheio a esse debate. E o Congresso, por sua representatividade e sua independência, é o fórum adequado para ele. Com esse objetivo, as comissões de Relações Exteriores, de Economia e de Finanças da Câmara constituíram uma subcomissão especial. Composta por representantes de todos os partidos, ela distribuiu entre seus membros o estudo de cada proposta sugerida pela comissão da ONU. Elas são as que seguem.
1) Aperfeiçoamento das políticas econômicas em nível global, com a responsabilidade dos países industrializados e dos países em desenvolvimento.
2) Reforma do FMI, para assegurar a liquidez internacional em tempos de crise, evitar o contágio de crises financeiras e mitigar seus efeitos adversos.
3) Adoção de códigos internacionais de conduta nas áreas fiscal, monetária e financeira, objetivando uma saudável governabilidade empresarial, melhoria dos padrões contábeis e maior transparência de informações (o que inclui combate à lavagem de dinheiro e de ativos, à corrupção e à evasão fiscal).
4) Preservação da autonomia das economias em desenvolvimento, especialmente na administração da conta de capital, em oposição às pressões políticas pela completa liberalização, que alguns países desenvolvidos têm defendido insistentemente em fóruns internacionais, como OCDE, OMC e FMI.
5) Possível suspensão do serviço da dívida, mediante a incorporação de disposições restritivas aos empréstimos internacionais. O relatório da ONU dá "boas-vindas ao apoio do G-7 à mudança dessas cláusulas, o que é essencial para a solução mais ordenada dos problemas da dívida".
6) Montagem de uma série de organizações regionais e sub-regionais para administrar questões monetárias e financeiras. Essas instituições podem ter importante papel de estabilização, controle e apoio em relação às economias dos países de suas respectivas áreas.
A esses itens foram acrescentadas duas sugestões: a taxação dos fluxos financeiros de curto prazo, proposta pelo economista James Tobin, detentor do Nobel, visando reduzir a volatilidade dos ativos financeiros e arrecadar fundos para o combate à pobreza; e a criação de um seguro anticrise, sugerida por Robert Rubin, ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos.
O governo brasileiro não está alheio às discussões. Em sua primeira visita ao Chile, o presidente Fernando Henrique Cardoso destacou a gravidade da questão dos capitais voláteis (mencionada sistematicamente em sua correspondência com os chefes de governo do G-7) e pediu à Cepal estudo aprofundado do problema e dos possíveis caminhos para sua solução. Da mesma forma, o Parlamento Latino-Americano tem se ocupado do tema (em particular, seu conselho consultivo).
A subcomissão da Câmara, que tenho a honra de presidir, está promovendo audiências de professores, jornalistas e outros interessados no tema. Ele merece um debate nacional, com a participação de universidades, Assembléias Legislativas e entidades representativas da sociedade civil. A vida de nações e povos não deve ficar na dependência da plena liberdade do mercado. Lembremo-nos da famosa advertência de Lacordaire: "Entre o forte e o fraco, a liberdade oprime. É a lei que salva".


André Franco Montoro, 82, é deputado federal pelo PSDB de São Paulo e presidente de honra do partido. Foi governador do Estado de São Paulo (1983-86) e ministro do Trabalho e da Previdência Social (1961-62).



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