São Paulo, Quarta-feira, 23 de Junho de 1999
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Por uma nova relação Europa-América


A América Latina é um parceiro de futuro; desejamos entrar no século 21 com um projeto ambicioso, mas realista


MANUEL MARÍN

A reunião de chefes de Estado e de governo da América Latina, do Caribe e da União Européia, a ser realizada no Rio em 28 e 29 de junho, constitui verdadeiro desafio para ambas as partes: criar um novo tipo de relação para o próximo milênio. Normalmente, encontros como esse não apresentam resultados milagrosos nem dão origem a acordos pormenorizados. Mas são bastante valiosos, já que possibilitam uma cooperação mais estreita entre continentes e dão um importante impulso político às negociações em curso.
Os esforços da União Européia visam estabelecer uma nova parceria para o próximo século. Em março, apresentamos a estratégia que deve nortear nossas relações bilaterais nos próximos cinco anos. Desejamos, para além dos laços culturais permanentes, que elas sejam marcadas por profundas melhorias qualitativas em nível político e estratégico, econômico e comercial, bem como na cooperação "lato sensu".
Nesta década já se verificou uma grande aproximação. Apostamos no estabelecimento de um diálogo político baseado no respeito à democracia e aos direitos humanos, na busca de fórmulas inovadoras para a solução de questões gravíssimas, como o tráfico de drogas (no Rio vai ser aprovado um plano de ação global para esse problema), e no princípio da responsabilidade compartilhada. Apostamos, sobretudo, em privilegiar o processo latino-americano de integração regional.
O amplo leque de assuntos a serem abordados na reunião revela a sintonia entre as regiões. Os líderes presentes subscreverão um documento político e definirão as bases de um plano de ação destinado a construir uma futura associação inter-regional, de caráter integral, entre UE e América Latina.
Para nós, europeus, a América Latina é um parceiro natural, com o qual compartilhamos vínculos históricos e culturais e uma concepção de sociedade fundamentada no pleno respeito aos princípios de democracia, direitos humanos, economia de mercado e solidariedade. Na esfera econômica, há interesse recíproco em permitir o acesso privilegiado aos respectivos mercados. A Europa é o segundo parceiro comercial da América Latina, o primeiro em relação aos países do Mercosul e o primeiro em doações à América Central.
Um aspecto essencial consiste em reconhecer o papel dos processos de integração regional no subcontinente como plataformas úteis de gestão de interdependências e de negociação em face do exterior. Nosso sistema de relações baseia-se no reconhecimento dos grupos sub-regionais (como a América Central, a Comunidade Andina e o Mercosul) e de realidades individuais (como o México e o Chile).
Com os países da América Central, queremos consolidar seu posto de principais beneficiários de recursos comunitários. Com os andinos, estabelecemos uma política de co-responsabilidade na luta contra as drogas, que se traduziu em programas de ajuda ao desenvolvimento alternativo e na harmonização da ordem jurídica e institucional. Com os países do Mercosul (hoje, um dos pólos mais dinâmicos para as exportações européias), o México e o Chile, a União Européia pretende negociar acordos baseados no conceito de parceria de interesse mútuo, para aprofundar o diálogo político e a abertura recíproca dos mercados.
As relações entre UE e América Latina tiveram enormes progressos nos últimos anos e melhoraram consideravelmente com a institucionalização do diálogo político, que criou mecanismos estáveis e únicos de cooperação entre as partes, como o Grupo de San José.
A eliminação da pobreza e a consolidação da democracia -e sobretudo a inter-relação entre pobreza, democracia e globalização- devem ser, no Rio, eixos temáticos prioritários. A democracia está ameaçada sempre que não há capacidade de resolver as profundas desigualdades e as graves carências resultantes da pobreza generalizada na América Latina. Assim, a reunião deve orientar-se para a busca de uma maior prosperidade dos países de ambos os blocos, num ambiente democrático.
Houve, nos anos 90, bons frutos. Criamos um conjunto de valores que agora servem de referência a outras instâncias internacionais. Redefinimos nosso quadro de relações numa base estratégica e estabelecemos uma doutrina própria. Dispomos de um modelo autônomo e específico de relações e de uma ordem de trabalhos comum. A Europa quer reforçar sua presença no subcontinente -e é esse desejo que irá manifestar na cúpula do Rio.
Para nós, a América Latina é um parceiro estável e de futuro. Estamos convencidos de que as oportunidades e o espaço não utilizados pela União Européia no subcontinente -e vice-versa- serão imediata e quase irremediavelmente aproveitados por outros parceiros. Por isso, desejamos entrar no século 21 com um projeto apaixonante e ambicioso, mas também realista, que satisfaça os interesses das partes e dê origem a uma verdadeira associação entre a Europa e a América Latina.


Manuel Marín, 50, é vice-presidente da Comissão Européia, órgão executivo da União Européia.



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