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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Poder sem
perdição
Em vez de tratar da política ou da
economia, trato hoje dos corações. À medida que se aproxima a eleição presidencial, aumenta entre os
aliados e os colaboradores de cada um
dos candidatos presidenciais o fervor
com que avaliam as oportunidades
que lhes serão abertas ou fechadas pelo resultado eleitoral. Os que apóiam
os candidatos com melhores chances
são abordados efusivamente, como se
tivessem comprado bilhete ganhador
na loteria. Nada mais insensato. Em
primeiro lugar, porque a campanha
eleitoral está apenas começando. Em
segundo lugar, porque em país como
o nosso a perspectiva do poder só pode ser encarada com temor reverencial. Temor da tarefa que cairá sobre
os ombros de quem vier a compartilhar a responsabilidade do governo.
Nesse temor começa o reconhecimento de verdades paradoxais.
É vital manter o foco na proposta em
cujo nome se ganhou a eleição. Não
confundir, porém, compromissos
programáticos com dogmas intelectuais. Mesmo o mais inteligente e culto de nós é um obtuso e um ignorante
diante da vastidão dos problemas que
o país enfrenta e dos recursos secretos
- de engenho e de energia- com
que pode, pouco a pouco, resolvê-los.
É indispensável enfrentar os interesses organizados que reprimem nossas
oportunidades de desenvolvimento e
de justiça. O único meio eficaz para
enfrentá-los é a mobilização das maiorias desorganizadas. Jamais, porém, o
desfecho do enfrentamento será legítimo e fecundo se não passar também
pela negociação paciente com os interesses ameaçados ou se desrespeitar as
prerrogativas das instituições que se
opuserem às reformas pretendidas.
É preciso cada dia decidir, pondo limites a divergências de equipe e escolhendo o momento em que a discussão tem de ceder lugar à opção, produtora de novas encruzilhadas. Decidir, entretanto, sabendo que nunca sabemos o bastante para decidir sem risco de erro.
É necessário participar dos embates
inerentes ao conflito de ambições e de
entendimentos. Mas sem que cada
participante perca o sentido da relatividade de seu próprio ponto de vista e
da dificuldade de separar o que cada
um quer para o Brasil e o que quer para si.
Para enfrentar tais contradições não
há fórmula. Há, porém, método. O
método é aprender. Aprender de correligionários e de adversários. Sobretudo aprender do país. O Brasil, essa
fábrica de vitalidade, erra no varejo,
mas acaba acertando no atacado. Tratemos de aprender do país como superar, na conduta de cada um de nós,
esses dilemas aparentemente insuperáveis.
Sinal de êxito nesse esforço será mudança na maneira de ser. Todos os que
se aproximarem do poder devem poder dizer que se transformaram. Imagino-os descrevendo essa transfiguração da seguinte maneira. Na oposição,
quando vagávamos no deserto político, viram-nos intransigentes e guerreiros, cantando vitória em meio à
derrota, compensando nossa fraqueza
com visões heróicas de resistência e de
engrandecimento. No poder, porém,
nossos concidadãos, atônitos, nos encontrarão mudados. Ver-nos-ão humildes e magnânimos, relutantes em
falar, atentos em ouvir, penetrados pelo sentimento da nossa própria falta
de importância, sabedores de que
qualquer indivíduo está sempre despreparado para suas responsabilidades maiores e portanto conscientes do
lado cômico do poder. E misteriosamente alegres por conta da entrega da
vontade às tarefas e à vida. Quem executar esse plano de autotransformação não estará perdido, mesmo que
seja poderoso.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.idj.org.br
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