São Paulo, terça-feira, 23 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A previsibilidade da pré-campanha

CESAR MAIA

Há muito tempo não se vê uma pré-campanha eleitoral tão previsível como a que está aí. Todos os movimentos identificados pelas pesquisas eram perfeitamente previsíveis em sondagens anteriores que fizeram as perguntas certas e os respectivos cruzamentos com a intenção de voto.
A ultrapassagem na disputa do segundo lugar estava dita e escrita desde quando a Frente Trabalhista concentrou suas entradas na TV em junho, ou seja, desde março. A explicação, aparentemente óbvia, é a de que, sempre que algum candidato surge na TV, seus índices crescem. O que, na verdade, não é causa, é efeito. Há um ano, antes dos programas partidários do segundo semestre de 2001 e do primeiro semestre de 2002, os números eram parecidos com os atuais, se somarmos os índices dos candidatos da base do governo. A conclusão evidente é que nenhum deles tem suas intenções de voto cristalizadas.
Quando um subia, vinha o "efeito gangorra" e outro descia. Era uma questão de conhecer a segunda intenção de voto e fazer a "profecia" do que ocorreria dali a dois meses.
Paul Lazarsfeld, o fundador da ciência da opinião do eleitor, comparava, ainda nos anos 30, na Universidade de Columbia, o processo eleitoral ao processo fotográfico. Dizia que a pré-campanha corresponde à impregnação da imagem no celulóide e a campanha é a revelação. Claro, desde que haja alguma imagem fixada antes. Lula e Garotinho sofreram, neste período, ajustes de imagem.
Garotinho, de uma esperta estrela ascendente, virou um risível meteoro decadente. Lula correu com todas as forças, envergando um colarinho duro, em direção ao centro político. Quase se esqueceu de que, num cruzamento entre os que queriam votar na oposição e suas intenções de voto, ele tinha 70% deste eleitorado. Apesar das tentativas de descaracterizá-lo e do discurso já tão bem estudado pelos especialistas da "catástrofe iminente", ele saltou os obstáculos e chegou ao centro cercado de economistas responsáveis.


O eleitor se informa muito mais com a propaganda negativa do que com a afirmativa


Mas chegou derrapando e trocando votos na prevista ascensão de Ciro. Deixou de ter o quase monopólio da oposição e caiu para nuvens mais baixas: saiu de algo como 40% das intenções de voto para cerca de 33%. Este, diriam, é seu teto dos últimos anos. Mas há uma diferença: ele cedeu votos de quem se diz oposição a FHC e ganhou votos difusos, mais voláteis. Errou na mão, pois entraram em seu território eleitoral.
Ciro tem uma característica curiosa: nas pesquisas, o eleitor não é capaz de identificá-lo com propostas ou idéias. Seu eleitor olha para a telinha e acha que ele tem personalidade e autoridade. É um bom começo, mas a dinâmica desse processo dependerá do quanto a mídia e as candidaturas produzirem, antes de 20 de agosto, quando entra a programação eleitoral, aquilo que Kathleen Jamieson chama de cobertura de estratégia.
Isso corresponde à fixação da mídia e dos candidatos nas pesquisas e a obrigatória "suíte" do por que cresceu e por que desceu. Quanto maior a "centimetragem" para este jogo, menos as pesquisas futuras anotarão tendências diferentes das atuais.
Serra ocupou o equivalente à soma dos espaços dos candidatos da base do governo registrados um ano atrás. Sua imagem correu horizontalmente, afirmada em suas qualidades técnicas pessoais indiscutíveis. Curiosamente, até agora, a comunicação dessas idéias não chegou ao eleitor. Ficou apenas a percepção de ser um candidato do governo. Perto dele discute-se o quanto deve sinalizar a mudança e o quanto deve sinalizar a "continuidade ou o caos".
Em relação à primeira hipótese, vem-me à cabeça a história de Garrincha conversando, no treino, com o técnico Gentil Cardoso: "O senhor já combinou com o adversário?". Os publicitários em geral e a mídia -sempre- não gostam da propaganda negativa, ou seja, de um candidato falar mal do outro. Mas isso é parte intrínseca dos processos eleitorais. O eleitor finge que não gosta, mas se informa muito mais com a propaganda negativa do que com a afirmativa. Neste sentido, tanto Lula quanto Serra querem ferir a imagem muda que Ciro passou nestes meses.
Mas, como dizia Didi, treino é treino, jogo é jogo. Agora é jogo. O eleitor começa a ficar mais atento à mídia.
Esta é a hora da cristalização e da descristalização. É a hora do jogo bruto. Neste momento, a vantagem está com quem cresce, porque aumenta a probabilidade de cristalização do voto.
Por isso mesmo, quem cresce deve abrir o som da imagem. E quem não quer que este crescimento se cristalize -os demais candidatos- deve jogar contra a imagem mais do que contra as idéias. Pelo menos é o que está escrito nos livros de quem estuda, há anos, eleições nas universidades dos EUA.
As pesquisas da primeira semana de agosto nos darão luzes quanto a isso.


Cesar Maia, 57, economista, é prefeito, pelo PFL, do Rio de Janeiro. Foi prefeito da mesma cidade de 1993 a 96.



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