São Paulo, terça-feira, 23 de julho de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Padre Vaz e a pós-modernidade cristã
CANDIDO MENDES
Impossível, entre nós, encontrar melhor conhecedor de Platão como de Aristóteles. Fez a exegese das Idades Médias e restaurou o marco fundador de São Tomás, mesmo em face de Aristóteles, como pensador radical do ato de existir. Foi a Hegel para discutir as raízes mesmas de um pensamento sacral e sua laicização e reconheceu a "acuidade genial" de Nietzsche, quando assentou o seu "projeto titânico" de transmudação de todos os valores sobre a total transmudação do nosso ver. Nesse remate, Teilhard de Chardin, em que se concentravam as esperanças de uma nova convergência contemporânea entre fé e razão, tornar-se-ia ainda cativo do esforço extremo, senão genial, mas obsoleto, de propor-nos uma leitura do mundo sobre a linguagem natural da analogia, entre os muitos planos da realidade governada, afinal, por um último "telos", ou "ponto ômega". O que está em causa para o padre é, neste nosso ver em que lemos a realidade e a configuramos, não termos saído, afinal, daquela contemplação, herdada da mirada cosmo-grega mediterrânea, a ter sua rigorosa continuidade na escolástica e no espelho do discurso do "cogito". E o jesuíta, perguntando pela pertinência do chamado histórico do cristão, mesmo em tempos de um abate-limite da velha arquitetura da subjetividade, vai nos dar toda uma epistemologia dos cuidados do que seja aceitar uma leitura dos "sinais dos tempos" e perder-se nas muitas "salidas frustras" da generosidade selvagem do cristão, confrontada aos "empréstimos de linguagem". Vaz foi o rigoroso repetidor das intuições geniais de Michel de Certeau, que teve a mirada certa para diagnosticar, no primeiro discurso dos "sinais dos tempos", feito por destroços de um "tempo-eixo" implodido pelos impulsos reivindicativos da generosidade. É desse prisma que a Igreja pós-conciliar passou, numa verdadeira teoria do conhecimento, a reconhecer como presos àquela linguagem de empréstimo conceitos como o de promoção ou de revolução, que não se entranhavam no sentido da metanóia ou da transformação. Um filosofar que dê à linguagem o que é seu, antes de assentar o que cabe à razão ou à fé, encontraria a verdadeira perspectiva para discutir a laicização no processo histórico contemporâneo e coloca numa mesma pauta de desgarre existencial os extremos escatológicos do evento do homem, expresso em conceito-limite tanto de "alienação" quanto de "esperança", "angústia" ou "salvação". O jesuíta libertou-nos de todo pietismo metafísico, contrabandeado sobre a instância da generosidade, ou toda a voga das fáceis aberturas ao outro, como suporte, à la Karl Barth, de uma neo-ontologia. Vendo no velho "tempo-eixo" o signo sempre da alegoria, na convergência entre a razão e a fé, não escondeu, por toda a vida, o entusiasmo com a gigantesca obra de Bultman, no escorço do universo simbólico, envolvente das conclusões do velho "cogito". Tal como pôde repor os pressupostos dos temas de Altizer e da "morte de Deus" de há uma vintena. Contrapôs-lhes a propriedade de uma verdadeira crítica da "Teologia de Deus", vencido o labirinto da linguagem e do solipcismo, e de uma experiência distinta, do sagrado ou do religioso, em que se perdeu a antropologia contemporânea. Candido Mendes, 74, é presidente do "senior board" do Conselho Internacional de Ciências Sociais da Unesco, membro da Academia Brasileira de Letras e reitor da Universidade Candido Mendes. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Cesar Maia: A previsibilidade da pré-campanha Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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