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JOSÉ SARNEY
Urna eletrônica e barriga de mulher
A tecnologia, mais que o discurso político contra as viciadas
práticas eleitorais, fez o grande avanço
do sistema eleitoral brasileiro, transformado num dos melhores e maiores
do mundo.
A informatização das eleições representou uma etapa histórica. Sempre
me preocupei com o aspecto formal
do processo político -importante
para a legitimidade representativa.
Como senador, na década de 70, apresentei o projeto de criação do Serviço
Nacional de Alistamento Eleitoral. Era
um tema recorrente da UDN, partido
a que pertenci. A denúncia das eleições viciadas começava no alistamento, sob a responsabilidade dos políticos, processado com seus recursos e
estruturado numa rede de cabos eleitorais. A primeira grande mudança foi
a obrigação do retrato no título eleitoral. Mas logo se estabeleceu um mercado de troca de retratos entre os Estados, criando o famoso contingente de
eleitores-fantasmas, que votavam e
alimentavam o mapismo. No Maranhão, em 1965, a revisão eleitoral derrubou mais da metade do eleitorado e
fez com que no dia 3 de outubro de
1965 -eleição para governador-, no
cemitério de São Luís, estivesse exibida uma faixa: "Agradecemos ao TSE
por não termos de sair da sepultura
hoje para votar".
Presidente da República, recebi o
ministro Néri da Silveira, presidente
do TSE, preocupado com esse problema. Vinha discutir um plano de informatização das eleições -a começar
pelo alistamento, que depois se desdobraria em etapas que nos levariam à
modernização total do processo. Disse-lhe que isso seria marcante avanço
a incorporar-se à restauração democrática. Dei total apoio e asseguramos
os recursos necessários. O título de
eleitor nš 1 foi-me entregue. O sistema
foi totalmente concluído, do título à
urna eletrônica, e hoje temos o fato
histórico de o ministro Jobim presidir
a primeira eleição totalmente informatizada no país. Resta chegar ao novo Código Eleitoral -como desejava
e tanto esforço fez para isso o ministro
Carlos Veloso- e acabar com as leis e
resoluções episódicas de eleição em
eleição, prática que persiste.
Mas todo esse trabalho seria impossível sem a avançada tecnologia brasileira, que tem desenvolvido máquinas
e programas. Foram ela e o talento de
jovens profissionais da eletrônica os
responsáveis pelo milagre. A longa
história das eleições passa pelo costume da escolha de chefes religiosos, seguido pelas primeiras leis escritas por
Licurgo em Esparta -a eleição por
palmas. Depois veio Roma, onde mais
se exercitou na Antiguidade o direito
eleitoral. Conta-se que, na Revolução
Francesa, Séchèlles, querendo regras
para estabelecer a democracia em praça pública, pediu à bibliotecária-mor
da República (bons tempos do valor
do livro, bibliotecária-mor) em bilhete: "Mande-me os volumes das leis de
Minos e Licurgo!".
Passaram-se séculos. As técnicas de
votação se aprimoraram no mundo
todo, e o Brasil transformou-se numa
grande democracia. Considero que tenha dado uma valiosa contribuição a
esse processo.
Mas, qualquer que seja a eleição, por
palmas ou em urna eletrônica, a ansiedade dos candidatos só se encerra
com o resultado. E, como repetia Magalhães Pinto, "em barriga de mulher,
boca de urna e mineração, o resultado
só se sabe na apuração".
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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