São Paulo, sexta-feira, 23 de agosto de 2002

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JOSÉ SARNEY

Urna eletrônica e barriga de mulher

A tecnologia, mais que o discurso político contra as viciadas práticas eleitorais, fez o grande avanço do sistema eleitoral brasileiro, transformado num dos melhores e maiores do mundo.
A informatização das eleições representou uma etapa histórica. Sempre me preocupei com o aspecto formal do processo político -importante para a legitimidade representativa. Como senador, na década de 70, apresentei o projeto de criação do Serviço Nacional de Alistamento Eleitoral. Era um tema recorrente da UDN, partido a que pertenci. A denúncia das eleições viciadas começava no alistamento, sob a responsabilidade dos políticos, processado com seus recursos e estruturado numa rede de cabos eleitorais. A primeira grande mudança foi a obrigação do retrato no título eleitoral. Mas logo se estabeleceu um mercado de troca de retratos entre os Estados, criando o famoso contingente de eleitores-fantasmas, que votavam e alimentavam o mapismo. No Maranhão, em 1965, a revisão eleitoral derrubou mais da metade do eleitorado e fez com que no dia 3 de outubro de 1965 -eleição para governador-, no cemitério de São Luís, estivesse exibida uma faixa: "Agradecemos ao TSE por não termos de sair da sepultura hoje para votar".
Presidente da República, recebi o ministro Néri da Silveira, presidente do TSE, preocupado com esse problema. Vinha discutir um plano de informatização das eleições -a começar pelo alistamento, que depois se desdobraria em etapas que nos levariam à modernização total do processo. Disse-lhe que isso seria marcante avanço a incorporar-se à restauração democrática. Dei total apoio e asseguramos os recursos necessários. O título de eleitor nš 1 foi-me entregue. O sistema foi totalmente concluído, do título à urna eletrônica, e hoje temos o fato histórico de o ministro Jobim presidir a primeira eleição totalmente informatizada no país. Resta chegar ao novo Código Eleitoral -como desejava e tanto esforço fez para isso o ministro Carlos Veloso- e acabar com as leis e resoluções episódicas de eleição em eleição, prática que persiste.
Mas todo esse trabalho seria impossível sem a avançada tecnologia brasileira, que tem desenvolvido máquinas e programas. Foram ela e o talento de jovens profissionais da eletrônica os responsáveis pelo milagre. A longa história das eleições passa pelo costume da escolha de chefes religiosos, seguido pelas primeiras leis escritas por Licurgo em Esparta -a eleição por palmas. Depois veio Roma, onde mais se exercitou na Antiguidade o direito eleitoral. Conta-se que, na Revolução Francesa, Séchèlles, querendo regras para estabelecer a democracia em praça pública, pediu à bibliotecária-mor da República (bons tempos do valor do livro, bibliotecária-mor) em bilhete: "Mande-me os volumes das leis de Minos e Licurgo!".
Passaram-se séculos. As técnicas de votação se aprimoraram no mundo todo, e o Brasil transformou-se numa grande democracia. Considero que tenha dado uma valiosa contribuição a esse processo.
Mas, qualquer que seja a eleição, por palmas ou em urna eletrônica, a ansiedade dos candidatos só se encerra com o resultado. E, como repetia Magalhães Pinto, "em barriga de mulher, boca de urna e mineração, o resultado só se sabe na apuração".


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.



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