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TENDÊNCIAS/DEBATES
Qual Lula?
DENIS ROSENFIELD
Os deslocamentos recentes do
PT para o centro do espectro partidário suscitam questões sobre o sentido
dessa mudança de rumo.
Pode-se, evidentemente, dizer que
eles correspondem a uma necessidade
eleitoral, pois, se assim não fosse, as
chances de vitória de Lula seriam muito
menores. Cabe, no entanto, a pergunta
sobre a significação programática dessa
aproximação com o PL e com Orestes
Quércia -aproximação essa acompanhada de um discurso abstrato que nada diz, contentando-se com generalidades.
Consideremos a hipótese, plausível,
de que estamos presenciando um movimento de "social-democratização" forçada do PT que reluta em dizer o seu nome. Nesta perspectiva, o PT se colocaria
como um partido de centro-esquerda,
aceitando as regras da democracia representativa e procurando uma reforma do capitalismo brasileiro dentro dos
marcos republicanos. As tendências reformistas do PT estariam, finalmente,
no controle do partido, dando as cartas
do jogo político.
A social-democratização do PT seria,
contudo, forçada, pois o partido não teria tido tempo para uma revisão de seus
fundamentos doutrinários, contentando-se com as contradições decorrentes
de documentos que se sucedem ao sabor das circunstâncias eleitorais.
Se atentarmos para processos semelhantes ocorridos tanto no Partido Socialista Espanhol, no trabalhismo inglês
como no PS francês, observaremos,
nesses países, que a revisão programática veio acompanhada de transformações partidárias e ideológicas profundas, com mudanças de liderança e, inclusive, com cisões partidárias que se
traduziram na saída de quadros até então importantes desses partidos.
Nada disso está acontecendo com o
PT, que, sem explicitar o que está fazendo, opera com as mesmas lideranças e
quadros, contando com a aquiescência
das alas mais à esquerda do partido, que
apenas manifestam superficialmente o
seu descontentamento. A demagogia
resultaria do não-reconhecimento dessa social-democratização em curso.
A vaguidade dos propósitos petistas, a
generalidade das respostas às perguntas
de jornalistas e a postura reiterada de
nada esclarecer correspondem a uma finalidade eleitoral de cunho demagógico. Os discursos petistas têm tido como
alvo preponderante acalmar os mercados, sem nenhuma preocupação com a
coerência doutrinária. Aposta-se, aqui,
na ausência de memória, como no
apoio ao plebiscito para o não-pagamento da dívida externa, a expulsão da
Ford do Rio Grande do Sul, o MST
-cujas características se tornaram de
tipo revolucionário-, sem falar no discurso antiamericano, anti-Alca e anti-FMI. A recuperação da memória seria,
por sua vez, um claro signo de uma mudança de postura partidária.
Os discursos petistas têm como alvo preponderante acalmar os mercados, sem preocupação com a coerência doutrinária
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Paralelamente a esses processos de social-democratização forçada e de demagogia, um outro processo está em curso,
o da realização do projeto revolucionário das alas mais à esquerda do partido.
O Rio Grande do Sul é o lugar de sua experiência e o seu governo tem recebido
elogios reiterados de Lula.
Nesse Estado, presenciamos aquilo
que Hannah Arendt qualificou de movimento totalitário, a saber, aquele processo que conduz ao desmantelamento
do Estado, à abolição da democracia, visando à instalação de um regime que se
pretende revolucionário.
Os traços de um movimento desse tipo se encontram em: a) tentativas de
criminalização do direito de opinião via
processos contra jornalistas e intelectuais; b) ideologização e partidarização
da Polícia Militar; c) apoio ao MST na
invasão de fazendas produtivas e de alta
tecnologia, sem nenhum respeito ao direito de propriedade; d) relutância extrema no cumprimento de ordens judiciais; e) ideologização da educação pública; f) afinidade com as Farc (Forças
Armadas Revolucionárias da Colômbia); g) instrumentalização do Orçamento Participativo com finalidades
partidárias; h) vinculação com o jogo do
bicho, recuperando a velha máxima de
que os fins justificam os meios.
Uma derrota do PT no Rio Grande do
Sul seria, nesse sentido, um grande serviço à democracia brasileira, pois, ao
enfraquecer as tendências revolucionárias do partido, contribuiria para que
esse assumisse definitivamente a sua face reformista.
Uma eventual vitória de Lula fará, sem
dúvida, com que essas contradições
apareçam; e elas serão tanto mais agudas quanto maior for o tempo do seu reconhecimento. A sucessão de máscaras
nos obriga a pensar o sentido dessa encenação. "Qual Lula?" -eis, certamente, a questão.
Denis Lerrer Rosenfield, 50, doutor pela Universidade de Paris 1, é professor titular de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
editor da revista "Filosofia Política" e pesquisador do CNPq. É autor, entre outras obras, de "Política e Liberdade em Hegel".
E-mail: denisrosenfield@terra.com.br
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