São Paulo, sexta-feira, 23 de agosto de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Continuidade ou ruptura?
EMIR SADER
São os agentes da ditadura do capital especulativo, que desejam desqualificar o espaço de alternativas democráticas que o povo conquistou contra a ditadura militar, estreitando as margens de opção ao "cumprimento dos compromissos" assumidos por eles, que hipotecam o destino do Brasil ao capital financeiro, tornado hegemônico como resultado das políticas de ajuste fiscal. À sombra dos fracassos de De la Rúa, Toledo, Battle, Fox, Lagos, signatários, vários deles, do Consenso de Buenos Aires, também assinado por Ciro Gomes, quando a "terceira via" ainda estava de pé, que futuro se pode prever para o Brasil? Dois riscos nos ameaçam: o da continuidade e o do "gattopardismo". A continuidade é prolongar o dessangramento econômico, social e moral do país, seja pelas mãos de quem é candidato do governo ou por quem pretende ser o novo anti-Lula. O "gattopardismo" caracterizou a história brasileira, com mudanças na forma, mas preservando a dominação das elites, sob qual a "independência" adiou a República e o fim da escravidão, a República manteve o sistema político oligárquico, a "Revolução de 30" foi feita "antes que o povo a fizesse", a redemocratização depois da ditadura militar manteve toda a estrutura socioeconômica do poder, o combate à inflação do Plano Real preservou e promoveu o capital financeiro. Desta vez, pretende-se castrar a vontade de mudança do povo brasileiro, condicionado-a aos marcos das políticas que fracassaram ao longo da última década, em relação às quais o desejo majoritário da cidadania é de mudança, e não de continuidade. A inércia do poder vigente, cristalizada no capital financeiro e nas atuais autoridades econômicas do governo, é a maior ameaça de jogar o Brasil numa crise advinda da frustração da vontade e da necessidade imperiosa de mudanças profundas no Brasil e pode levar a que o país repita, de forma muito mais aguda e trágica, as crises dos vizinhos. Ou, apontando para novos horizontes, que sirva de referência para que eles também se lancem pelo caminho da mudança: o da democracia econômica, social, política e cultural -aquela que o Brasil nunca viveu. Emir Sader, 59, é professor de sociologia da USP (Universidade de São Paulo) e da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e autor de "Século 20: uma Biografia Não-Autorizada" (Perseu Abramo), entre outras obras. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Denis Rosenfield: Qual Lula? Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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