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São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A fusão Varig-TAM deve ser aprovada?

NÃO

Pela regulação do setor aéreo brasileiro

BETO ALBUQUERQUE

Fusão entre empresas é um processo de imensa responsabilidade. Quando se trata de um setor estratégico para um país ou um serviço de concessão pública, como o transporte aéreo, os cuidados devem ser mais rigorosos.
O debate sobre a crise no setor aéreo, em especial a fusão da Varig com a TAM, não é novo na Câmara dos Deputados. Desde o ano passado coordeno um grupo de trabalho na Comissão de Viação e Transporte, criado para analisar os problemas do segmento. Em várias audiências, ouvimos empresários, trabalhadores e órgãos públicos responsáveis pela área. Mas o agravamento da situação da Varig e os capítulos recentes do processo de fusão informal das empresas levaram a Câmara se reunir no próximo dia 2, em comissão geral. O assunto também estará na pauta da Comissão de Assuntos Sociais do Senado, no dia 27 deste mês.
Em tese, não sou contrário à consolidação de empresas no setor de transporte aéreo regular. Entretanto discordo do modelo de fusão elaborado pelo banco Fator. Por isso tenho defendido a análise do plano de reestruturação ampla, proposta alternativa das associações de trabalhadores da Varig para a recuperação da empresa.
A proposta do banco conduz ao monopólio, pois coloca nas mãos de uma só empresa 67% das linhas domésticas e 99% das rotas internacionais. A dependência de uma corporação produzirá consequências graves. Primeiro para o usuário, que ficará sujeito a reajuste de tarifas, à redução do número de vôos ofertados e de localidades servidas e à queda na qualidade do serviço.
Segundo, para os 13.250 trabalhadores da Varig. Pela proposta, eles não estão incluídos no rol de credores da nova companhia, ao lado de instituições públicas e privadas. Muito embora, entre créditos trabalhistas e o fundo de pensão Aerus, os funcionários tenham a receber cerca de R$ 2,5 bilhões. Outro problema é a previsão de 6.000 demissões. Questiono também a razão do desequilíbrio na participação acionária de cada empresa na nova sociedade. Em vez de utilizar o critério da margem de contribuição de cada companhia, o banco Fator considera o patrimônio líquido estático.
Reconheço a gravidade da situação vivida pela Varig. Infelizmente, é preciso dizer que o pesadelo por que passa a companhia, nos seus 76 anos, é resultado, em boa parte, de gestões desastrosas da Fundação Ruben Berta, controladora da empresa. É claro que, por muito tempo, os interesses da corporação estiveram em segundo plano. Em números, o saldo é de US$ 800 milhões em débitos atrasados e há um prejuízo de R$ 2 bilhões. Em 2001, a gigante da aviação brasileira faturou R$ 7,5 bilhões. Com certeza, a atitude dos dirigentes da fundação no último ano comprometeu a busca de soluções mais interessantes.
Mas, se a saída para a crise da Varig exige o combate aos sérios problemas internos, há também a obrigação de assegurar o padrão técnico-operacional que a tornou referência internacional. Quem conhece esse mercado sabe que o padrão de qualidade da Varig não resistirá sob o novo modelo proposto. Existem também causas externas que levaram a Varig a essa situação, como a desregulamentação total do setor no governo Collor de Melo e as violentas desvalorizações cambiais no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Porém é evidente que a crise não se limita a uma empresa, mas atinge todo o setor de transporte aéreo brasileiro e mesmo internacional. A começar pela aposta de governos passados na idéia de que as leis de mercado garantiriam um modelo equilibrado. O que se revelou um equívoco. A maioria das empresas nacionais desse segmento tem adotado modelos inadequados de governança e má gestão. O mais grave, porém, é a ausência histórica de uma política nacional para a aviação. Os níveis atuais de descontrole do setor são inconcebíveis.
Para mudar essa realidade, é preciso estabelecer um marco regulatório capaz de garantir concorrência saudável entre as empresas e serviços de qualidade e segurança, a preço justo, para os usuários. A organização do setor também depende de condições mínimas definidas pelo Estado. Cito a revisão de tributos e taxas, a proteção à variação cambial, linhas de crédito mais acessíveis para investimentos de longo prazo etc.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por meio dos ministérios da Defesa e do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, estuda uma proposta de marco regulatório. Ao mesmo tempo, o BNDES aguarda a conclusão das negociações entre a Varig e a TAM para analisar a conveniência de sua participação no negócio e no adequado modelo para o caso.
Cabe reforçar que, no caso da Varig, qualquer solução deve assegurar liberdade de concorrência, manutenção de empregos, respeito aos direitos dos trabalhadores e qualidade nos serviços. Uma coisa é certa: não vamos comer prato feito pelo banco Fator.


Luiz Roberto de Albuquerque, 40, advogado, é deputado federal pelo PSB-RS. Foi secretário dos Transportes do Rio Grande do Sul (governo Olívio Dutra).


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