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TENDÊNCIAS/DEBATES
A fusão Varig-TAM deve ser aprovada?
SIM
Antes um pássaro voando que dois caindo
ROLAND VERAS
As duas maiores empresas aéreas
do Brasil cogitam se fundir, novamente suscitando aquela desconfortável imagem do agigantamento e da
ocorrência de abusos concorrenciais
que implicam serviços piores e mais caros. Hoje, TAM e Varig atendem a cerca
de 69% do mercado doméstico da aviação civil de grande porte.
O processo de negociação da operação tem assumido contornos novelescos. No enredo, os conflitos de poder intestinos à Varig, com um patrimônio líquido negativo de R$ 4,5 bilhões, a inafastável necessidade de enxugamento
da quantidade de aeronaves e postos de
trabalho, os importantes credores e as
ações judiciais. Novela de época, de tristes anos de desaquecimento macroeconômico e de aviões que são arremetidos
contra arranha-céus.
Neste momento, cabe aos técnicos da
economia e do direito a organização dos
problemas envolvidos com objetividade e lisura, esclarecendo à sociedade
brasileira as alternativas disponíveis para além das aparências. Não se trata
aqui de um exercício de clarividência,
mas de uma tentativa de esboçar desfechos possíveis e suas consequências,
substituindo as paixões e mitos por elementos mais concretos de avaliação.
O segmento da aviação civil é exemplo
típico de mercado sujeito a falhas. Serviço imprescindível à boa operação das
economias, particularmente nos países
de dimensão continental, a entrada no
setor de transporte aéreo comercial exige consideráveis aportes de capital, investimentos com montagem de infra-estrutura e gastos com formação de pessoal. Como evidencia a experiência
mundial, a existência de custos fixos de
monta e a concentração de rotas e aeroportos limita a quantidade de empresas
que podem atuar de forma independente e rentável no setor. Esses fatores, conjugados à necessidade de garantir padrões de qualidade e segurança nos serviços prestados, recomendam especial
atenção pública na coordenação e fiscalização das atividades.
Países como França, Itália e México,
por exemplo, contam com apenas uma
empresa aérea de grande porte atuando
domesticamente. Canadá e Austrália
operam com um par de empresas, com
faturamento superior a US$ 400 milhões por ano. Nos EUA, país que tem
um PIB 23 vezes maior que o brasileiro,
distinguem-se apenas 26 grandes linhas
aéreas domésticas. São figuras simples,
mas de entendimento direto: as evidências internacionais expõem a existência
de escalas mínimas de produção substancialmente elevadas no setor.
A crise da Varig e da TAM, ambas exibindo prejuízos operacionais recorrentes, confirma a idéia de que a oferta de
serviços do transporte aéreo no Brasil
encontra-se sobredimensionada. O
problema é que as reduções de capacidade nessa indústria ocorrem de forma
lenta e traumática, estimando as empresas a necessidade de diminuição da frota conjunta das empresas em 30%, bem
como 20% de corte de funcionários. A
engenharia financeira dessa alternativa
inclui, ainda, aporte estimado de R$ 1,2
bilhão por parte do BNDES e, como é
evidente, pressupõe a obtenção de um
acordo entre as partes envolvidas e a autorização pelas autoridades de defesa da
concorrência e pelo DAC.
Inviabilizada, por hipótese, a fusão,
dois outros desfechos seriam possíveis:
(i) a falência da Varig, com prejuízo
substancialmente maior em termos de
desemprego e eventual colapso no sistema de transporte aéreo nacional; ou (ii)
o auxílio público de pelo menos R$ 4,5
bilhões para a recuperação da Varig,
com solução similar para a reestruturação das concorrentes, financiando a
manutenção artificial do sobredimensionamento da indústria por mais algum tempo.
Assim, a escassez de recursos públicos, a razoabilidade e a boa lógica econômica conspiram pela fusão Varig-TAM. Dentre as alternativas disponíveis, de fato, esta é a que permite a solução mais conveniente do ponto de vista
social. O entendimento desse argumento, porém, suscita outras questões relevantes sobre a operação e o setor.
Espera-se uma criteriosa análise, por
parte do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), antes de uma
aprovação do acordo entre os dois
maiores "players" na aviação civil brasileira, procurando identificar e mitigar
os possíveis efeitos deletérios da operação sobre a eficiência na utilização dos
recursos nacionais, bem como minimizar os eventuais impactos negativos da
concentração sobre os consumidores e
aeroviários.
Bom alvitre, por fim, que prospere e se
aperfeiçoe a idéia da Agência Nacional
de Aviação Civil, com clara e bem delimitada aproximação das autoridades
de defesa da concorrência, de forma
que, como numa moderna concepção
de regulação econômica, seja factível
potencializar os benefícios da livre operação desse mercado por meio do controle transparente, crível e efetivo de
suas falhas.
Roland Veras Saldanha Jr., mestre em economia de empresas pela FGV-SP, é professor do Departamento de Economia da PUC-SP e consultor.
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