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São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A fusão Varig-TAM deve ser aprovada?

SIM

Antes um pássaro voando que dois caindo

ROLAND VERAS

As duas maiores empresas aéreas do Brasil cogitam se fundir, novamente suscitando aquela desconfortável imagem do agigantamento e da ocorrência de abusos concorrenciais que implicam serviços piores e mais caros. Hoje, TAM e Varig atendem a cerca de 69% do mercado doméstico da aviação civil de grande porte.
O processo de negociação da operação tem assumido contornos novelescos. No enredo, os conflitos de poder intestinos à Varig, com um patrimônio líquido negativo de R$ 4,5 bilhões, a inafastável necessidade de enxugamento da quantidade de aeronaves e postos de trabalho, os importantes credores e as ações judiciais. Novela de época, de tristes anos de desaquecimento macroeconômico e de aviões que são arremetidos contra arranha-céus.
Neste momento, cabe aos técnicos da economia e do direito a organização dos problemas envolvidos com objetividade e lisura, esclarecendo à sociedade brasileira as alternativas disponíveis para além das aparências. Não se trata aqui de um exercício de clarividência, mas de uma tentativa de esboçar desfechos possíveis e suas consequências, substituindo as paixões e mitos por elementos mais concretos de avaliação.
O segmento da aviação civil é exemplo típico de mercado sujeito a falhas. Serviço imprescindível à boa operação das economias, particularmente nos países de dimensão continental, a entrada no setor de transporte aéreo comercial exige consideráveis aportes de capital, investimentos com montagem de infra-estrutura e gastos com formação de pessoal. Como evidencia a experiência mundial, a existência de custos fixos de monta e a concentração de rotas e aeroportos limita a quantidade de empresas que podem atuar de forma independente e rentável no setor. Esses fatores, conjugados à necessidade de garantir padrões de qualidade e segurança nos serviços prestados, recomendam especial atenção pública na coordenação e fiscalização das atividades.
Países como França, Itália e México, por exemplo, contam com apenas uma empresa aérea de grande porte atuando domesticamente. Canadá e Austrália operam com um par de empresas, com faturamento superior a US$ 400 milhões por ano. Nos EUA, país que tem um PIB 23 vezes maior que o brasileiro, distinguem-se apenas 26 grandes linhas aéreas domésticas. São figuras simples, mas de entendimento direto: as evidências internacionais expõem a existência de escalas mínimas de produção substancialmente elevadas no setor.
A crise da Varig e da TAM, ambas exibindo prejuízos operacionais recorrentes, confirma a idéia de que a oferta de serviços do transporte aéreo no Brasil encontra-se sobredimensionada. O problema é que as reduções de capacidade nessa indústria ocorrem de forma lenta e traumática, estimando as empresas a necessidade de diminuição da frota conjunta das empresas em 30%, bem como 20% de corte de funcionários. A engenharia financeira dessa alternativa inclui, ainda, aporte estimado de R$ 1,2 bilhão por parte do BNDES e, como é evidente, pressupõe a obtenção de um acordo entre as partes envolvidas e a autorização pelas autoridades de defesa da concorrência e pelo DAC.
Inviabilizada, por hipótese, a fusão, dois outros desfechos seriam possíveis: (i) a falência da Varig, com prejuízo substancialmente maior em termos de desemprego e eventual colapso no sistema de transporte aéreo nacional; ou (ii) o auxílio público de pelo menos R$ 4,5 bilhões para a recuperação da Varig, com solução similar para a reestruturação das concorrentes, financiando a manutenção artificial do sobredimensionamento da indústria por mais algum tempo.
Assim, a escassez de recursos públicos, a razoabilidade e a boa lógica econômica conspiram pela fusão Varig-TAM. Dentre as alternativas disponíveis, de fato, esta é a que permite a solução mais conveniente do ponto de vista social. O entendimento desse argumento, porém, suscita outras questões relevantes sobre a operação e o setor.
Espera-se uma criteriosa análise, por parte do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), antes de uma aprovação do acordo entre os dois maiores "players" na aviação civil brasileira, procurando identificar e mitigar os possíveis efeitos deletérios da operação sobre a eficiência na utilização dos recursos nacionais, bem como minimizar os eventuais impactos negativos da concentração sobre os consumidores e aeroviários.
Bom alvitre, por fim, que prospere e se aperfeiçoe a idéia da Agência Nacional de Aviação Civil, com clara e bem delimitada aproximação das autoridades de defesa da concorrência, de forma que, como numa moderna concepção de regulação econômica, seja factível potencializar os benefícios da livre operação desse mercado por meio do controle transparente, crível e efetivo de suas falhas.


Roland Veras Saldanha Jr., mestre em economia de empresas pela FGV-SP, é professor do Departamento de Economia da PUC-SP e consultor.


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