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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
As Forças Armadas e a nação
Em hora de desalento, é mais importante do que nunca insistir no
resguardo dos instrumentos necessários à construção do futuro nacional.
Um deles -quase esquecido- são as
Forças Armadas.
O mundo vive paz frágil e inquieta.
Não consegue organizar pluralismo
de poder militar, econômico e cultural. Retrospectivamente, esse momento de hegemonia americana parecerá
breve intervalo entre o antigo antagonismo dos Estados Unidos com a
União Soviética e sua rivalidade nova
com a China. Travessia cheia de perigos, vastos em dimensão, mas imprevisíveis em suas feições específicas. A
anarquia violenta pode irromper de
uma maneira ou de outra, em espaços
mais amplos ou mais restritos, mais
distantes ou mais próximos de nós.
Desenvolver os meios tecnológicos e
humanos que nos permitam reagir
com o máximo de flexibilidade contra
esse caos potencial é a primeira responsabilidade das Forças Armadas
hoje.
A segunda responsabilidade é defender nossa soberania desde já. O
país desconhece a penetração insidiosa de nossas fronteiras, sobretudo das
fronteiras amazônicas, pelo narcotráfico e pelo contrabando. Combinada
com os protestos internacionais contra nossa passividade na defesa do
ambiente, representa convite aberto à
relativização da soberania brasileira.
A solução é reafirmar nossa soberania
com vigor, não em palavras, mas em
atos.
As Forças Armadas capazes de cumprirem essas duas tarefas precisam
contar com quadros de elite que desenvolvam tecnologias avançadas livres do controle de empresas multinacionais ou de potências estrangeiras.
Só se consolida tal vanguarda quando
há circulação flexível entre tecnologias
de ponta de uso militar e de uso civil,
quando escolas militares viram instituições acadêmicas do mais exigente
rigor intelectual, quando se recrutam
os futuros oficiais em todos as classes e
quando eles são dignificados e bem remunerados. Remunerados de acordo
com os padrões da alta classe média
profissional.
Não basta, porém, contar com efetivo pequeno e qualificado. Ambas as
tarefas exigem também uma base numerosa, capaz de ser penetrada pelos
ensinamentos e pelas práticas do núcleo de vanguarda. Base que sirva de
ponto de partida para o crescimento
rápido dos contingentes quando se
deflagrar no mundo uma guerra que
não seja apenas local. Base que viabilize a ocupação proveitosa das regiões
de fronteira. Entretanto, manter milhões de jovens em armas não faz sentido estratégico ou econômico.
A solução para esse dilema é organizar, ao lado do serviço militar clássico,
uma série de serviços de natureza mista -militar, social e ambiental. Dezenas de milhares de jovens que querem
prestar o serviço militar para se qualificar são dispensados "por excesso de
contingente". Buscam nas Forças Armadas um nivelador republicano de
classes sociais e uma fábrica republicana de aptidões pessoais. Tratemos
de aproveitá-los e de prepará-los, fazendo deles ao mesmo tempo soldados do conserto da nação, no trabalho
social ou ambiental, e reserva, em caso
de necessidade, de efetivo militar de
grande dimensão.
Insistir no soerguimento, no refinanciamento e na reorganização das
Forças Armadas, propondo debate a
que todos se furtam, será sinal de seriedade na demarcação de nosso rumo nacional e de reverência pelo papel que o Brasil tem a desempenhar
dentro da humanidade.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu
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