São Paulo, terça-feira, 23 de agosto de 2005

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

As Forças Armadas e a nação

Em hora de desalento, é mais importante do que nunca insistir no resguardo dos instrumentos necessários à construção do futuro nacional. Um deles -quase esquecido- são as Forças Armadas.
O mundo vive paz frágil e inquieta. Não consegue organizar pluralismo de poder militar, econômico e cultural. Retrospectivamente, esse momento de hegemonia americana parecerá breve intervalo entre o antigo antagonismo dos Estados Unidos com a União Soviética e sua rivalidade nova com a China. Travessia cheia de perigos, vastos em dimensão, mas imprevisíveis em suas feições específicas. A anarquia violenta pode irromper de uma maneira ou de outra, em espaços mais amplos ou mais restritos, mais distantes ou mais próximos de nós.
Desenvolver os meios tecnológicos e humanos que nos permitam reagir com o máximo de flexibilidade contra esse caos potencial é a primeira responsabilidade das Forças Armadas hoje.
A segunda responsabilidade é defender nossa soberania desde já. O país desconhece a penetração insidiosa de nossas fronteiras, sobretudo das fronteiras amazônicas, pelo narcotráfico e pelo contrabando. Combinada com os protestos internacionais contra nossa passividade na defesa do ambiente, representa convite aberto à relativização da soberania brasileira. A solução é reafirmar nossa soberania com vigor, não em palavras, mas em atos.
As Forças Armadas capazes de cumprirem essas duas tarefas precisam contar com quadros de elite que desenvolvam tecnologias avançadas livres do controle de empresas multinacionais ou de potências estrangeiras. Só se consolida tal vanguarda quando há circulação flexível entre tecnologias de ponta de uso militar e de uso civil, quando escolas militares viram instituições acadêmicas do mais exigente rigor intelectual, quando se recrutam os futuros oficiais em todos as classes e quando eles são dignificados e bem remunerados. Remunerados de acordo com os padrões da alta classe média profissional.
Não basta, porém, contar com efetivo pequeno e qualificado. Ambas as tarefas exigem também uma base numerosa, capaz de ser penetrada pelos ensinamentos e pelas práticas do núcleo de vanguarda. Base que sirva de ponto de partida para o crescimento rápido dos contingentes quando se deflagrar no mundo uma guerra que não seja apenas local. Base que viabilize a ocupação proveitosa das regiões de fronteira. Entretanto, manter milhões de jovens em armas não faz sentido estratégico ou econômico.
A solução para esse dilema é organizar, ao lado do serviço militar clássico, uma série de serviços de natureza mista -militar, social e ambiental. Dezenas de milhares de jovens que querem prestar o serviço militar para se qualificar são dispensados "por excesso de contingente". Buscam nas Forças Armadas um nivelador republicano de classes sociais e uma fábrica republicana de aptidões pessoais. Tratemos de aproveitá-los e de prepará-los, fazendo deles ao mesmo tempo soldados do conserto da nação, no trabalho social ou ambiental, e reserva, em caso de necessidade, de efetivo militar de grande dimensão.
Insistir no soerguimento, no refinanciamento e na reorganização das Forças Armadas, propondo debate a que todos se furtam, será sinal de seriedade na demarcação de nosso rumo nacional e de reverência pelo papel que o Brasil tem a desempenhar dentro da humanidade.


Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu


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