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CARLOS HEITOR CONY
A todo vapor
RIO DE JANEIRO - Citar o poeta Murilo Mendes pode até parecer provocação. Num tempo em que os 15 minutos de fama estão sendo vividos
por Delúbios, Valérios, Jeffersons,
Dirceus et caterva, lembrar o poeta
de Juiz de Fora é estar tão por fora como o juiz que deu nome àquela cidade.
E vou lembrar o poeta para discordar dele, veementemente, tal como
fez o ministro Palocci a propósito de
uma denúncia contra ele. Dizia Murilo Mendes que "o inferno existe,
mas não funciona". Penso exatamente o contrário: o inferno não existe, mas funciona e funciona muitíssimo bem.
Nem preciso lembrar a sovadíssima
conclusão a que Jean Paul Sartre chegou: "O inferno são os outros". Nem
assim o inferno existe, pois os outros
somos todos nós e, mesmo quando
não dispomos de malignidade específica, somos chatos de alguma forma
-e não há inferno mais devastador
do que aturar chatos.
Apesar de não existir, o inferno é
uma das instituições que mais e melhor funcionam, em tempo integral.
Como certos vôos internacionais, na
base do "non stop".
Se querem um exemplo -num
tempo como o nosso, em que as provas são escassas e os crimes abundantes-, basta ligar a TV, ler as revistas
e os jornais. É o inferno (que não
existe) funcionando a todo vapor -a
tradição garante que no inexistente
inferno há caldeiras enormes e bastantes para produzir muito vapor.
Mas vamos e venhamos: mesmo
que existisse, o inferno não poderia
ser responsabilizado pelos escândalos
agora descobertos nem pela metástase da corrupção que comprometeu
todo o governo. Em sã consciência,
nem mesmo o Roberto Jefferson, que
acusou todo mundo, inclusive a si
próprio, teve peito para acusar o demônio.
Contrariei o poeta Murilo Mendes e
vou contrariar J.P. Sartre: o inferno
não existe, mas funciona muito bem.
Tampouco são os outros que o fazem
funcionar. Sabemos os nomes e conhecemos as caras daqueles que alimentam as caldeiras, produzindo o
vapor que nos queima e sufoca.
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