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GUSTAVO FRANCO
A humanidade em Pessoa
O NACIONALISMO em Fernando Pessoa é o que se espera de quem foi descrito
como "o cidadão do imaginário" e
disse que sua pátria "é a língua portuguesa". É plural, como é próprio
de um "pobre recortador de paradoxos", e que se desdobra em mais
de 70 heterônimos.
Ao fim da vida, em 1935, ao
preencher o formulário de uma nota biográfica, no quesito "ideologia
política", definiu-se "conservador
de estilo inglês, isto é, liberal dentro do conservantismo, e absolutamente anti-reacionário".
No quesito "posição patriótica",
se diz "partidário de um nacionalismo místico, de onde seja abolida
toda infiltração católico-romana,
criando-se, se possível for, um sebastianismo novo, que a substitua
espiritualmente, se é que no catolicismo português houve alguma vez
espiritualidade. Nacionalista que
se guia por este lema: "Tudo
pela humanidade, nada contra a
nação'".
A última frase contém uma alusão jocosa ao bordão de Mussolini
"Tudo pelo Estado, nada contra o
Estado", que havia sido importado
para Portugal, por Salazar, num
formato nacionalizado: "Tudo pela
nação, nada contra a nação".
O paradoxo, ou a sátira, predomina em todos os seus escritos políticos. É como diz Andrés Ordoñes
em seu magnífico estudo "O Místico sem Fé": Pessoa "enfrentando a
realidade dando-lhe as costas". Ao
explicar o que é "a essência nacional" em Portugal, Pessoa definiu
três características: (1) o predomínio da imaginação sobre a inteligência; (2) o predomínio da emoção sobre a paixão; (3) a adaptabilidade instintiva. E explica: "O futuro de Portugal é sermos tudo...
Quem, que seja português, pode viver a estreiteza de uma só personalidade, de uma só fé?".
Ora, de que país, assim tão universal, fala o poeta?
Ordeñez observa que Pessoa
"propõe a concepção plural de Portugal: conceber a nova grandeza do
país, a mesma que batizou do
"Quinto Império", como um heterônimo coletivo", uma fórmula para afastar a frustração com a dura
realidade da economia de seu país.
E o país, afinal, é feito de pessoas, e
aqui peço a indulgência do leitor
para este trocadilho, que, na verdade, pertence a Ferreira Gullar, que
disse que o poeta deveria chamar-se Fernando Pessoas (sic).
Pois bem, mas onde estaria Fernando Pessoa nos debates brasileiros de hoje?
Sobre economia, Pessoa escreveu bastante, e seus textos nesse
terreno, bem mais objetivos que os
sobre política, têm impressionante
atualidade. Foram recentemente
reeditados no Brasil. Vale olhar,
pois não dão nenhum alento ao
pensamento econômico esotérico.
gh.franco@uol.com.br
GUSTAVO FRANCO escreve aos sábados nesta
coluna.
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