São Paulo, segunda-feira, 23 de setembro de 2002

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BORIS FAUSTO

A guerra preventiva

O documento chamado de Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos representa, no plano ideológico, uma confirmação das práticas do governo Bush no campo das relações internacionais.
Desde o início da Guerra Fria, em 1947, a política externa dos Estados Unidos foi sintetizada pela doutrina Truman, com algumas alterações ao longo do tempo, cuja estratégia tinha como objetivo maior a contenção do expansionismo soviético.
Se a doutrina não tinha nada de pacifista, continha uma preocupação em limitar o unilateralismo e em preservar certo grau de equilíbrio entre as duas maiores potências do mundo, mesmo à custa da liberdade de algumas nações. Foi o que se viu quando o presidente Eisenhower lavou as mãos, diante da insurreição húngara contra o regime comunista, receoso das consequências de uma intervenção no "quintal da União Soviética".
Em anos mais recentes, o presidente Clinton tratou de tirar proveito da queda do império soviético para conferir aos Estados Unidos o papel de poder hegemônico, combinando assim consenso e coerção. O consenso se esboçou com base na convicção, por parte dos líderes de um bom número de países, de que os Estados Unidos, admitidos seus pecados e pecadilhos, encarnavam os valores da civilização democrática ocidental.
O comportamento do governo Clinton, no tocante à não-proliferação das armas nucleares, nas questões ambientais, assim como seus esforços visando promover a paz no Oriente Médio reforçaram essa percepção. Por sua vez, a coerção -como outra face da moeda- derivava, como deriva hoje, da supremacia militar.
Os pressupostos da política norte-americana, anunciados agora por Bush, não se baseiam na contenção de um inimigo com nome e território cuja ação se deseja circunscrever. O governo americano passa da dissuasão ao ataque preventivo contra quem quer que seja considerado uma ameaça ao país. Trata-se de uma postura elástica e agressiva, que vai além da identificação do decantado "eixo do mal", incluindo até mesmo uma fraseologia que declara o propósito de impedir que adversários potenciais "busquem uma escalada militar, na esperança de ultrapassar ou se equiparar ao poderio dos Estados Unidos".
Apesar de algumas semelhanças, não estamos diante de uma volta aos tempos de Ronald Reagan, seja porque a União Soviética entrou em colapso, seja porque a desgraça do terrorismo, devidamente instrumentalizada, converteu-se em um recurso político eficaz.
Nesse quadro, a hegemonia dá lugar apenas à coerção. Quem quiser ser nosso aliado, ou escapar da nossa ira, que nos acompanhe, mas, de qualquer forma, agiremos sozinhos se for necessário -é o recado do presidente Bush. Um recado simples, para que seja entendido pelos rapazes do Texas, como ele mesmo diz, e também pelo resto do mundo.
O pior é que não se trata de uma bravata, com os olhos postos nas eleições de novembro. As eleições contam, mas conta ainda mais uma visão unilateralista e guerreira que Bush e sua facção política sempre fizeram questão de afirmar.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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