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BORIS FAUSTO
A guerra preventiva
O documento chamado de Estratégia de Segurança Nacional
dos Estados Unidos representa, no
plano ideológico, uma confirmação
das práticas do governo Bush no campo das relações internacionais.
Desde o início da Guerra Fria, em
1947, a política externa dos Estados
Unidos foi sintetizada pela doutrina
Truman, com algumas alterações ao
longo do tempo, cuja estratégia tinha
como objetivo maior a contenção do
expansionismo soviético.
Se a doutrina não tinha nada de pacifista, continha uma preocupação em
limitar o unilateralismo e em preservar certo grau de equilíbrio entre as
duas maiores potências do mundo,
mesmo à custa da liberdade de algumas nações. Foi o que se viu quando o
presidente Eisenhower lavou as mãos,
diante da insurreição húngara contra
o regime comunista, receoso das consequências de uma intervenção no
"quintal da União Soviética".
Em anos mais recentes, o presidente
Clinton tratou de tirar proveito da
queda do império soviético para conferir aos Estados Unidos o papel de
poder hegemônico, combinando assim consenso e coerção. O consenso
se esboçou com base na convicção,
por parte dos líderes de um bom número de países, de que os Estados
Unidos, admitidos seus pecados e pecadilhos, encarnavam os valores da civilização democrática ocidental.
O comportamento do governo Clinton, no tocante à não-proliferação das
armas nucleares, nas questões ambientais, assim como seus esforços visando promover a paz no Oriente Médio reforçaram essa percepção. Por
sua vez, a coerção -como outra face
da moeda- derivava, como deriva
hoje, da supremacia militar.
Os pressupostos da política norte-americana, anunciados agora por
Bush, não se baseiam na contenção de
um inimigo com nome e território cuja ação se deseja circunscrever. O governo americano passa da dissuasão
ao ataque preventivo contra quem
quer que seja considerado uma ameaça ao país. Trata-se de uma postura
elástica e agressiva, que vai além da
identificação do decantado "eixo do
mal", incluindo até mesmo uma fraseologia que declara o propósito de
impedir que adversários potenciais
"busquem uma escalada militar, na
esperança de ultrapassar ou se equiparar ao poderio dos Estados Unidos".
Apesar de algumas semelhanças,
não estamos diante de uma volta aos
tempos de Ronald Reagan, seja porque a União Soviética entrou em colapso, seja porque a desgraça do terrorismo, devidamente instrumentalizada, converteu-se em um recurso político eficaz.
Nesse quadro, a hegemonia dá lugar
apenas à coerção. Quem quiser ser
nosso aliado, ou escapar da nossa ira,
que nos acompanhe, mas, de qualquer
forma, agiremos sozinhos se for necessário -é o recado do presidente
Bush. Um recado simples, para que
seja entendido pelos rapazes do Texas,
como ele mesmo diz, e também pelo
resto do mundo.
O pior é que não se trata de uma bravata, com os olhos postos nas eleições
de novembro. As eleições contam,
mas conta ainda mais uma visão unilateralista e guerreira que Bush e sua
facção política sempre fizeram questão de afirmar.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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