São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2007

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Miséria crônica

Redução de pobreza não se traduz sempre em queda na desigualdade, como comprova análise de dados sobre Nordeste

MISÉRIA não é simples de definir, menos ainda de quantificar. Organizações renomadas no estudo da questão, como a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets), usam linhas de corte divergentes -respectivamente, R$ 125 e R$ 266,15 de renda domiciliar per capita mensal. Com base nos dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2006), ambas apontam redução da parcela de miseráveis na população do país: -14% (FGV) e -10,6% (Iets).
Para a FGV, são 19,3% de brasileiros nessa condição limítrofe, ou 36,2 milhões de pessoas -a menor parcela desde 1992. Para o Iets, contam-se 26,9% (49 milhões de miseráveis). Nos dois casos, de um ano a outro quase 6 milhões de pessoas teriam deixado o contingente arbitrariamente definido, mas não há motivo para júbilo em verificar que um quinto ou um quarto do país ainda sobrevive com valores pífios.
Tampouco há surpresa em verificar que o Nordeste é a parte mais afetada do Brasil, em que pese a importância do programa Bolsa Família por ali. Na região, 36,6% dos habitantes são miseráveis, segundo a FGV. Os Estados de Alagoas e Maranhão encabeçam o lamentável ranking, com mais de 44% de miseráveis. Figuram também entre os que menos diminuíram a taxa de miséria no período 2005-2006, respectivamente -11,3% e -9,7%.
Há aí um paradoxo. O Maranhão foi o Estado com maior aumento na renda média, 33,7%, seguido por Alagoas, com 29,4%. O corolário é óbvio: o aporte de renda não foi apropriado prioritariamente pelos mais pobres. Ou seja, aumentou a desigualdade na região, como atestado pela clássica medida do índice de Gini, que subiu de 0,557 a 0,565 no Nordeste, enquanto caía na média do país (de 0,543 a 0,540).
Não é trivial explicar a tendência quando se considera que a expansão do emprego também foi mais intensa no mercado de trabalho nordestino. Uma possibilidade está na baixa escolarização da mão-de-obra. Numa economia em crescimento, tendem a valorizar-se mais os salários dos trabalhadores com melhor qualificação.
Se tal hipótese for comprovada, mais uma vez ficarão evidenciadas as limitações de programas como o Bolsa Família. Sem investimento paralelo em educação, saúde, saneamento e infra-estrutura, a porta de saída da miséria continuará fechada para legiões de brasileiros.

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