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Miséria crônica
Redução de pobreza não se traduz sempre em queda na desigualdade, como comprova análise de dados sobre Nordeste
MISÉRIA não é simples
de definir, menos
ainda de quantificar.
Organizações renomadas no estudo da questão, como a Fundação Getúlio Vargas
(FGV) e o Instituto de Estudos do
Trabalho e Sociedade (Iets), usam
linhas de corte divergentes -respectivamente,
R$ 125 e
R$ 266,15 de
renda domiciliar
per capita mensal. Com base
nos dados da última Pesquisa
Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad
2006), ambas
apontam redução da parcela de
miseráveis na
população do
país: -14% (FGV)
e -10,6% (Iets).
Para a FGV, são 19,3% de brasileiros nessa condição limítrofe,
ou 36,2 milhões de pessoas -a
menor parcela desde 1992. Para o
Iets, contam-se 26,9% (49 milhões de miseráveis). Nos dois casos, de um ano a outro quase 6 milhões de pessoas teriam deixado o
contingente arbitrariamente definido, mas não há motivo para júbilo em verificar que um quinto
ou um quarto do país ainda sobrevive com valores pífios.
Tampouco há surpresa em verificar que o Nordeste é a parte
mais afetada do Brasil, em que pese a importância do programa
Bolsa Família por ali. Na região,
36,6% dos habitantes são miseráveis, segundo a FGV. Os Estados
de Alagoas e Maranhão encabeçam o lamentável ranking, com
mais de 44% de miseráveis. Figuram também entre os que menos
diminuíram a taxa de miséria no
período 2005-2006, respectivamente -11,3% e -9,7%.
Há aí um paradoxo. O Maranhão foi o Estado com maior aumento na renda média, 33,7%, seguido por Alagoas, com 29,4%. O
corolário é óbvio: o aporte de renda não foi apropriado prioritariamente pelos mais pobres. Ou seja,
aumentou a desigualdade na região,
como atestado pela
clássica medida do
índice de Gini, que
subiu de 0,557 a
0,565 no Nordeste,
enquanto caía na
média do país (de
0,543 a 0,540).
Não é trivial explicar a tendência
quando se considera que a expansão
do emprego também foi mais intensa no mercado de
trabalho nordestino. Uma possibilidade está na baixa escolarização da mão-de-obra.
Numa economia em crescimento,
tendem a valorizar-se mais os salários dos trabalhadores com melhor qualificação.
Se tal hipótese for comprovada,
mais uma vez ficarão evidenciadas as limitações de programas
como o Bolsa Família. Sem investimento paralelo em educação,
saúde, saneamento e infra-estrutura, a porta de saída da miséria
continuará fechada para legiões
de brasileiros.
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