São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 2011

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A economia não comporta improvisos

ABRAM SZAJMAN


O atual governo envereda por atalhos circunstanciais, ressuscitando anacronismos como a manipulação política dos juros e do câmbio


Diante de uma conjuntura internacional bem mais delicada do que a verificada durante os dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo que o sucedeu pode e deve desenvolver ações para enfrentar a sobrevalorização do real provocada pela guerra cambial, proteger o mercado interno e melhorar a competitividade dos produtos brasileiros.
Se o Brasil, porém, pretende não apenas atravessar incólume a tempestade mas também ocupar o espaço destinado aos emergentes em função da incerteza instalada nas nações outrora ricas e poderosas, precisa abandonar a improvisação e a parcialidade.
O déficit de investimentos em infraestrutura, a complexidade da legislação trabalhista, os encargos sobre a folha de pagamentos, os gastos excessivos do governo e a ineficiência da máquina administrativa constituem a essência da nossa vulnerabilidade e são temas até agora intocados.
Sem avançar na direção de mudanças estruturais, o atual governo envereda pelos atalhos circunstanciais, ressuscitando posturas anacrônicas que a sociedade julgava sepultadas, como a manipulação política dos juros e do câmbio.
O pior, entretanto, veio sob a forma de restrição do acesso aos veículos importados -o que retira opções do consumidor e o arremessa de volta a um tempo em que era refém das "carroças", ou seja, dos carros tecnologicamente defasados e caros produzidos pelas únicas quatro montadoras que aqui mantinham operações, sem concorrência, antes de 1990.
Embora os automóveis fabricados no Brasil continuem caros (chegam a ser comercializados pelo dobro do valor fixado para similares em outros países), o conforto e a eficiência dos modelos aumentaram muito, em razão precisamente da concorrência dos importados. Agora se pretende eliminar essa disputa com a enganosa justificativa de preservar empregos.
É verdade que a indústria, assim como os demais setores da economia, padece das limitações competitivas impostas por uma série de entraves burocráticos, logísticos e tributários.
Mas não é menos verdadeiro que a superação dessas mazelas depende de um Estado menos dado a confiscos, que promova a desoneração e a modernização de toda a cadeia de produção e distribuição, em vez de agir casuisticamente para beneficiar a poucos, em detrimento de muitos. No que se refere aos postos de trabalho, eles hoje podem ser criados e preservados mais facilmente nas atividades terciárias do comércio e dos serviços, como sabem os jovens em busca do primeiro emprego.
Tendo em vista que a economia é um conjunto de vasos comunicantes, os importados agora sobretaxados deixam de contribuir no combate à inflação, deitando por terra um pressuposto do Banco Central ao baixar os juros.
Isso para não discorrer sobre os meandros da insegurança jurídica de medidas que podem ser contestadas na Justiça do país e, no cenário internacional, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Reverter o câmbio desfavorável às nossas exportações, deter a inundação de dólares e preservar o mercado interno são objetivos louváveis, que serão alcançados quando o governo gastar menos e souber conviver com uma carga tributária decrescente.
As medidas agora adotadas constituem um episódio a ser esquecido. O Brasil só se tornará uma nação líder de fato quando conseguir se organizar como economia de mercado, aberta à pesquisa e à transferência de conhecimento, com um Estado menor, mais ágil e menos burocrático.

ABRAM SZAJMAN é presidente da Fecomercio SP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) e dos conselhos regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio) e do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).


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