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JOÃO SAYAD
A política
como teatro
COMO PERSONAGEM , Lula faz
o papel de operário-presidente, a vitória da democracia, um ícone do passado quando,
apesar da desigualdade, havia
grande mobilidade social no Brasil.
Alckmin, o antagonista, representa
uma classe média que chegou um
pouco antes que Lula, adquiriu
modos urbanos e é vista, por isso,
como mais próxima dos "donos do
país".
Do ponto de vista programático,
as diferenças são sutis. Como personagens dramáticos, são muito diferentes. Um personagem é demolidor de regras, pessoal, faz contato
direto com o eleitor e agride a elegância sintática da oposição. O outro é determinado, organizado, racional e distante. Fala menos, representa com "naturalidade" apostando na credibilidade. No teatro, o
"natural" parece menos real do que
o expressivo e dramático.
A imprensa analisa peça e personagens em dois níveis. Num primeiro nível, reportagens e colunas
indignadas tratam os candidatos
como personagens -bandido e
mocinho, vilão e herói. Cobram
promessas não cumpridas, consistência e respostas ante questões de
apelo popular. Comportam-se como espectadores de novelas capazes de agredir o ator na rua, confundindo-o com o personagem. Escrevem para o eleitor fanático que vive o drama como real.
Num segundo nível, colunas e
blogs analisam ator e peça como
obra de arte. Como o ator desempenhará papel tão difícil? Como se
relacionará com a oposição? Como
se relaciona com o próprio partido? Cortará gastos, reduzirá juros,
o que fará com a Previdência? Fará
novas privatizações? Reconhecem
que o candidato-personagem está
limitado à fala eleitoral que exclui
qualquer maldade.
O presidente improvisa, não
obedece as marcações do diretor
nem o texto da peça. Alckmin segue o texto com rigor, mas deixa
transparecer as discordâncias entre direção, os partidos de apoio, e
o ator.
Nesse segundo nível, a imprensa
age como a crítica teatral e dirige-se aos leitores ilustrados. É mais
compreensiva e empática com os
candidatos que no outro nível e, inclusive, mais humana com os políticos do que a verdadeira crítica
teatral com os atores.
Personagens que atuam em contraposição são classificadas como
Augusto ou Branco. Augusto é gozado, trapalhão,mas lidera a ação
dramática. Branco é bonito e racional e tenta controlar as estripulias
do augusto. Jerry Lewis é augusto,
Dean Martin, branco. O Magro é
augusto, o Gordo, branco. O presidente, mais gordo, faz o papel do
Magro. O ex-governador, apesar de
magro, atua como o Gordo. Quem
terá a preferência da platéia?
jsayad@attglobal.net
JOÃO SAYAD escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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