São Paulo, segunda-feira, 23 de outubro de 2006

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A defesa nacional esquecida pelos candidatos

CARLOS DE MEIRA MATTOS


A defesa de nosso país não pode deixar de merecer a maior atenção do futuro governo, mas os candidatos têm preferido ignorá-la


NESTE PERÍODO eleitoral em que tudo se discute, assistimos a um vazio sobre a defesa nacional.
Será a preocupação com a defesa da nação uma questão tão insignificante que não merece figurar nas preocupações de um estadista? Será que o Brasil, país pacífico, por não estar enfrentando, no momento, nenhum conflito externo mais grave, pode negligenciar a preparação de sua defesa para uma eventualidade? Será que, neste mundo agitado por tantas ambições, conflitos e guerras, estaremos imunes de ameaças ambiciosas sobre nossos imensos recursos naturais improdutivos, dos quais os chamados "grandes" carecem?
"Nenhum estadista de bom senso pode ignorar a defesa de seu pais", proclama o histórico pacifista Woodrow Wilson, famoso estadista internacional, patrono e professor da Universidade de Princeton.
Não é possível ignorar que várias ameaças já manifestadas claramente pesam sobre nossa soberania e nossa integridade territorial. Em favor da globalização, do neoliberalismo e da política de mercados, inúmeras ONGs européias e internacionais vêm aumentando a pressão sobre seus governos e organismos internacionais com a tese "Amazônia, patrimônio da humanidade", segundo a qual a região ser administrada por uma autoridade internacional.
Tal tese vem ganhando adeptos fervorosos entre instituições ambientalistas, antropólogos, naturalistas, indigenistas da Europa e América do Norte. As mais importantes, como a inglesa "Survive", já instalaram inúmeras agências na Amazônia, onde, sob o pretexto de desenvolver programas científicos e proteger as populações indígenas, fazem a pregação constante de sua tese de internacionalização da região "no interesse da humanidade".
Vários chefes de Estado e autoridades estrangeiras já têm se pronunciado a favor da tese da internacionalização da Amazônia, entre os quais citamos: o ex-presidente da França François Mitterrand, o ex-presidente dos EUA Bill Clinton, o ex-vice-presidente dos EUA Al Gore, Gorbatchov e membros da casa real britânica.
Mais recentemente, o sr. Pascal Lamy, secretário-geral da Organização Mundial de Comércio, declarou: "O Brasil precisa aceitar a soberania relativa sobre a Amazônia". E, há poucos dias, o secretário do Meio Ambiente do governo inglês, David Miliband, divulgou em Monterrey, no México, num congresso internacional que reuniu representantes de 20 países, "um plano para transformar a Amazônia em uma grande área privada administrada por uma autoridade internacional". Garantiu que a proposta inglesa conta com a aval do primeiro-ministro Tony Blair.
Outro perigo não declarado, mas que deve ser considerado pelo futuro governo, é o desequilíbrio da antiga estabilidade militar sul-americana.
Novas situações vêm acontecendo nos países nossos vizinhos. Na Colômbia, uma organização guerrilheira poderosa, as Farc, ligada ao narcotráfico, domina uma parte do território e constitui constante ameaça nas nossas fronteiras; no Paraguai, os Estados Unidos estão criando uma base militar; a Venezuela, não se sabe para quê, acaba de comprar muitos milhões de dólares de material de guerra ultramoderno, com o qual se transformará na maior potência militar da América Latina; na Bolívia, um presidente despreparado e atrabiliário já fez várias ameaças aos nossos interesses no país, desrespeitando acordos solenemente firmados com governos anteriores.
São fatos, não suposições, que exigem de qualquer estadista chefe de governo uma atenção vigorosa, o acionamento de órgãos de inteligência e uma diplomacia ativa e atuante, capaz de defender os nossos interesses soberanos antes que qualquer ameaça de agressão se concretize.
Mas, seguindo a lição do patrono do Itamaraty, o barão do Rio Branco, nas crises graves, para que uma negociação diplomática tenha êxito, ela precisa estar apoiada por um poder militar adequado. Em particular, no caso da Amazônia, precisamos dispor de uma força militar de dissuasão estratégica, do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, composta de efetivos e material bélico apropriado à guerra na região, capaz de oferecer um custo alto a qualquer aventura contra a nossa soberania. Essa força de dissuasão deve ser equipada de material de fabricação nacional. Na hora da crise, não podemos estar sujeitos aos embargos, à aquisição de material bélico estrangeiro. Temos de revitalizar a industria bélica nacional, que foi abandonada pelos últimos governos. Defesa nacional é dever inerente, inseparável da soberania de qualquer Estado.
Esse é, numa visão atual, o quadro de defesa de nosso país, cuja política não pode deixar de merecer a maior atenção do futuro governo, mas que os atuais candidatos têm preferido ignorar -pondo em risco a nossa soberania.

CARLOS DE MEIRA MATTOS , 93, doutor em ciência política e general reformado do Exército, é veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra.


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