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Projeto sem fundo
Fazenda faz proposta vaga e problemática para que o Brasil combata os efeitos indesejáveis da avalanche de dólares
O MUNDO está encharcado de dólares, e as soluções encontradas
por diversos países para mitigar os efeitos indesejáveis
desse fenômeno são cada vez
menos convencionais. Governos
como os de China e Rússia não se
contentam apenas com o mecanismo tradicional da compra de
dólares pelos bancos centrais.
Com parte do excedente de
suas exportações, constituem
fundos no exterior, chamados de
soberanos, para investir em aplicações variadas -papéis de dívida pública e privada, ações etc. É
um modo de impedir que os dólares entrem no país e de, com
eles, buscar ganhos financeiros
superiores aos dos papéis do Tesouro dos EUA, onde em geral os
BCs investem suas reservas.
Incitada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, inicia-se
uma discussão sobre os riscos e
as vantagens de o Brasil criar seu
próprio fundo soberano.
Os fundos soberanos existentes no mundo comandam um patrimônio estimado em US$ 3,2
trilhões -a título de comparação, as reservas internacionais
de todos os BCs somam US$ 5
trilhões. O da Noruega, constituído pela tributação sobre petróleo exportado, é um dos maiores: mais de US$ 300 bilhões.
A principal dificuldade de o
Brasil copiar a experiência é o fato de suas exportações não se
concentrarem numa commodity, como ocorre com a Rússia
(petróleo) ou o Chile (cobre).
Russos e chilenos taxam as vendas externas -quanto mais alta é
a cotação internacional, maior a
fatia tributada- vislumbrando
um futuro distante, em que seu
subsolo esteja exaurido, e um
mais próximo, em que os preços
desses bens estejam aviltados.
Nesses casos, terão uma fonte de
renda adicional em seus fundos.
Como ponto de partida da discussão, o governo Lula precisa
deixar claro de que modo pretende alimentar de dólares esse cogitado fundo soberano brasileiro. Quer tributar os exportadores, que no país estão pulverizados em várias atividades e empresas? Seria uma medida desastrosa, porque inibidora das exportações. Ou vai escolher algumas atividades bastante superavitárias no comércio e taxá-las?
Além de o benefício dessa opção
ser relativamente modesto, seus
custos econômicos e políticos seriam consideráveis.
Destinar uma parte das reservas do Banco Central para o fundo soberano não seria uma alternativa menos problemática. Esses fundos são vantajosos porque os dólares são coletados no
exterior. Eles nem sequer entram no país, não pressionam
para cima o preço da moeda local
e não exigem intervenção das autoridades no mercado de câmbio
doméstico. Constituir o fundo
com dinheiro de reservas -dólares comprados no Brasil à custa
de dívida pública remunerada
com juros elevados- seria perder essa vantagem.
Numa análise preliminar, a balança entre custos e benefícios
dessa proposta de inovação pende para o primeiro prato. Cabe ao
governo Lula apresentar uma
versão detalhada de seu projeto
-se é que vai sobrar algum projeto da escaramuça entre Fazenda e Banco Central.
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