São Paulo, terça-feira, 23 de outubro de 2007

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Projeto sem fundo

Fazenda faz proposta vaga e problemática para que o Brasil combata os efeitos indesejáveis da avalanche de dólares

O MUNDO está encharcado de dólares, e as soluções encontradas por diversos países para mitigar os efeitos indesejáveis desse fenômeno são cada vez menos convencionais. Governos como os de China e Rússia não se contentam apenas com o mecanismo tradicional da compra de dólares pelos bancos centrais.
Com parte do excedente de suas exportações, constituem fundos no exterior, chamados de soberanos, para investir em aplicações variadas -papéis de dívida pública e privada, ações etc. É um modo de impedir que os dólares entrem no país e de, com eles, buscar ganhos financeiros superiores aos dos papéis do Tesouro dos EUA, onde em geral os BCs investem suas reservas.
Incitada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, inicia-se uma discussão sobre os riscos e as vantagens de o Brasil criar seu próprio fundo soberano.
Os fundos soberanos existentes no mundo comandam um patrimônio estimado em US$ 3,2 trilhões -a título de comparação, as reservas internacionais de todos os BCs somam US$ 5 trilhões. O da Noruega, constituído pela tributação sobre petróleo exportado, é um dos maiores: mais de US$ 300 bilhões.
A principal dificuldade de o Brasil copiar a experiência é o fato de suas exportações não se concentrarem numa commodity, como ocorre com a Rússia (petróleo) ou o Chile (cobre). Russos e chilenos taxam as vendas externas -quanto mais alta é a cotação internacional, maior a fatia tributada- vislumbrando um futuro distante, em que seu subsolo esteja exaurido, e um mais próximo, em que os preços desses bens estejam aviltados. Nesses casos, terão uma fonte de renda adicional em seus fundos.
Como ponto de partida da discussão, o governo Lula precisa deixar claro de que modo pretende alimentar de dólares esse cogitado fundo soberano brasileiro. Quer tributar os exportadores, que no país estão pulverizados em várias atividades e empresas? Seria uma medida desastrosa, porque inibidora das exportações. Ou vai escolher algumas atividades bastante superavitárias no comércio e taxá-las? Além de o benefício dessa opção ser relativamente modesto, seus custos econômicos e políticos seriam consideráveis.
Destinar uma parte das reservas do Banco Central para o fundo soberano não seria uma alternativa menos problemática. Esses fundos são vantajosos porque os dólares são coletados no exterior. Eles nem sequer entram no país, não pressionam para cima o preço da moeda local e não exigem intervenção das autoridades no mercado de câmbio doméstico. Constituir o fundo com dinheiro de reservas -dólares comprados no Brasil à custa de dívida pública remunerada com juros elevados- seria perder essa vantagem.
Numa análise preliminar, a balança entre custos e benefícios dessa proposta de inovação pende para o primeiro prato. Cabe ao governo Lula apresentar uma versão detalhada de seu projeto -se é que vai sobrar algum projeto da escaramuça entre Fazenda e Banco Central.


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