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TENDÊNCIAS/DEBATES
E a licença-paternidade?
MIRIAN GOLDENBERG
É possível uma efetiva igualdade entre os sexos se a mulher detém, quase exclusivamente, o direito e o dever de cuidar dos filhos?
A COMISSÃO de Direitos Humanos do Senado aprovou, por
unanimidade, o projeto que
aumenta de quatro para seis meses o
período da licença-maternidade. A
autora do projeto, senadora Patrícia
Saboya (PDT-CE), comemorou dizendo: "Está na hora de respeitar a
mulher brasileira e as crianças".
Aplaudimos veementemente a
aprovação do projeto e o reconhecimento e a valorização da maternidade. Mas perguntamos: não está também na hora de respeitar o homem
brasileiro, ou melhor, a paternidade?
Aparentemente não, pois a mesma
senadora propõe um projeto para aumentar a licença-paternidade de cinco para 15 dias, com o objetivo de que
os pais possam "ajudar" as mães nos
primeiros dias de vida do bebê.
Para ilustrar com uma realidade
oposta, na Suécia, a licença de mais de
um ano para cuidar do recém-nascido
é para ambos os pais. O casal pode decidir quem ficará sem trabalhar para
cuidar do bebê: o pai ou a mãe. A proposta visa estimular os homens a assumir um papel ativo na criação dos
filhos e propiciar uma divisão mais
igualitária das tarefas domésticas.
Todos sabem que os meses iniciais
são fundamentais para assegurar a
adaptação do bebê ao mundo, o que
significa que cuidar de um recém-nascido é muito mais do que apenas
garantir o aleitamento materno. Esse
tempo é necessário para estabelecer o
vínculo afetivo com a criança, indispensável para o seu desenvolvimento
emocional e social.
Cinco (ou 15) dias são suficientes
para que o pai participe da formação
emocional e social da criança, enquanto a mãe deve dedicar seis meses
exclusivamente a essa tarefa? É possível pensar em uma efetiva igualdade
entre os sexos quando a mulher detém, quase exclusivamente, o direito
e o dever de cuidar dos filhos? Esse
cuidado não pode (e deve) ser igualmente compartilhado pelos homens?
É verdade que muitos homens recusam ou duvidam da própria competência para o exercício da paternidade. Contudo, é fácil constatar, inclusive com a notável discrepância entre
os dois projetos, que aqueles que querem exercer plenamente a paternidade estão impedidos de cuidar de seus
filhos, já que as mulheres são percebidas como as legítimas detentoras do
saber e do poder nesse âmbito. Elas
são consideradas as únicas realmente
necessárias no momento inicial de vida, cabendo ao pai, quando muito, a
função de "ajudar" a mãe.
Limitados a um papel secundário
ou terciário (quando o bebê é cuidado
pela avó, babá ou empregada doméstica), são ainda acusados de imaturos,
ausentes, irresponsáveis, incompetentes e inadequados como pais.
Muitas mulheres vivem a maternidade como um poder que não querem
compartilhar e percebem os homens
como meros coadjuvantes -ou até
mesmo figurantes- em um palco em
que a principal estrela é a mãe.
Não é possível questionar a suposta
superioridade feminina no domínio
privado sem enfrentar uma forte reação das mulheres, inclusive de muitas
que lutam pela completa igualdade
entre os gêneros. Mas não seria exatamente nesse terreno, completamente
dominado pelas mulheres, que se
enraizaria a mais profunda desigualdade entre os sexos?
É muito difícil transformar uma
realidade social quando ela é vista como da ordem da natureza; natureza
que é usada para justificar o papel privilegiado da mãe e para marginalizar
ou excluir o pai dos cuidados com o
recém-nascido.
No entanto, não existe absolutamente nada na "natureza" masculina
que impeça um pai de cuidar, alimentar, acariciar, acalentar e proteger seu
bebê, assim como não há uma "natureza" feminina que dê à mãe a autoridade de se afirmar como a única capaz
de cuidar do recém-nascido.
Os cinco (ou 15) dias de licença-paternidade e os seis meses de licença-maternidade revelam a enorme desigualdade de gênero em nosso país.
Consolida-se, com esse abismo, o
monopólio feminino dos prazeres,
encargos e sacrifícios com os filhos.
Reforça-se, também, a falta de respeito e de reconhecimento da importância do exercício da função paterna.
Sem desmerecer a conquista das
mulheres, muito pelo contrário, é
mais do que necessário denunciar a
injustiça e a discriminação que sofrem aqueles que querem exercer plenamente a paternidade.
Se as crianças de hoje aprenderem
que o pai e a mãe podem ser igualmente disponíveis, atenciosos, responsáveis, protetores, presentes e
amorosos, é possível que, em um futuro próximo, tenhamos uma verdadeira igualdade entre homens e mulheres e a crença de que em nenhum
domínio (público ou privado) um é
superior ou mais necessário do que o
outro.
MIRIAN GOLDENBERG, 50, antropóloga, mestre em educação e doutora em antropologia social, é professora do programa de pós-graduação em sociologia e antropologia
da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). É autora de "Os Novos Desejos", entre outras obras.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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