São Paulo, terça-feira, 23 de outubro de 2007

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Modelo econômico e degradação ambiental

GILBERTO DUPAS

A era da abundância em recursos naturais terminou.

É a opção pela acumulação de capital em detrimento do bem-estar social amplo

TENSÕES ENTRE expansão econômica e conservação do meio ambiente são inevitáveis. O motor dinâmico do capitalismo, a destruição criativa schumpeteriana, exige contínuo sucateamento em escala global e novos produtos sendo transformados em objeto de desejo pela propaganda, gerando imenso desperdício de matérias-primas e recursos naturais, degradação do meio ambiente e escassez de energia.
Como a saúde e as atividades da espécie humana dependem do bom funcionamento de ecossistemas que estão colapsando e de materiais que passaram a escassear, corremos um sério risco de desestabilização. Cerca de 12% de todas as espécies de aves, 23% dos mamíferos, 25% das coníferas e 32% dos anfíbios estão ameaçados de extinção e mais da metade dos ecossistemas vitais são explorados de maneira não sustentável.
Ar, água, solo e, em conseqüência, agricultura e alimentos estão contaminados por moléculas químicas inéditas suscetíveis de induzir a câncer, má-formação e esterilidade.
A era da abundância em recursos naturais terminou. O poder econômico continua garantindo que as novas tecnologias "darão um jeito". Mas, para inúmeros cientistas respeitáveis, mais alguns passos da humanidade na direção errada e o irreparável pode acontecer, tendo as gerações futuras como vítimas.
Resta saber se a sociedade tem vontade e capacidade para agir, ou seja, se o quadro é reversível ou se uma tragédia já está programada.
A questão das escolhas é crítica. Um caso clássico -sob indução da indústria automobilística- é a prioridade do transporte individual sobre o coletivo, apesar de não haver impedimento tecnológico ou financeiro para que as grandes cidades movimentem sua população de forma limpa e eficiente.
A questão é determinar quem define essas escolhas e em benefício de que grupos ou lógicas.
Joan M. Alier identifica quatro principais correntes em luta na questão ambiental: os ecologistas profundos, os ecoeficientes, os ecologistas sociais e os antiecologistas.
Os primeiros, cultivadores da vida silvestre e do amor aos bosques primários e cursos d'água, julgam imperiosas as ações que visem preservar o que sobrou da natureza original fora da influência do mercado.
Já os ecoeficientes temem os efeitos do crescimento econômico sobre áreas nativas e os impactos ambientais ou riscos à saúde decorrentes da industrialização, da urbanização e da agricultura moderna, mas crêem no desenvolvimento sustentável e na otimização da utilização dos recursos.
Suas propostas: ecoimpostos, mercados de licenças de emissões, novas tecnologias voltadas para a economia de energia e de matérias-primas e "precificação" visando um correto "metabolismo" industrial e o controle da degradação ambiental.
Finalmente, os ecologistas sociais, adeptos da justiça ambiental ou do ecologismo dos pobres, alertam para os impactos da degradação do meio ambiente sobre os excluídos e para o deslocamento geográfico das fontes de recursos e das áreas de descarte dos resíduos em direção aos países periféricos. Estados Unidos e União Européia importam grande parte do petróleo e das matérias-primas que consomem. Já a América Latina os exporta seis vezes mais do que os importa. O resultado é que as fronteiras de petróleo e gás, alumínio, cobre, eucalipto e óleo de palma, camarão, ouro e soja transgênica avançam em direção à periferia. À medida que se expande a escala da economia global, mais resíduos são gerados, os sistemas naturais são comprometidos e se vão os direitos das gerações futuras.
Já o poderoso lobby antiecologista conta com forte apoio do setor privado e de governos pressionados por metas de crescimento econômico de curto prazo.
Estamos diante da opção privilegiada pela acumulação de capital em detrimento do bem-estar social amplo. Como produzir uma mudança radical de modelo se o mercado livre é a lei e os grandes atores econômicos têm total liberdade de definir a direção dos vetores tecnológicos? Alguma chance de o próprio mercado se auto-regular? Quem poderá, em nome do futuro da sociedade, determinar restrições e direções dessa mudança?
Trata-se de uma tarefa imensa de reconversão da lógica privada de produção. Quem vai ser capaz de enfrentar essa batalha gigantesca em nome do futuro da civilização?


GILBERTO DUPAS, 64, é presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI), coordenador geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP e autor de "O Mito do Progresso" (Unesp), entre outras obras.

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